Bolsonaro em visita à Índia - Alan Santos / Presidência da República
Bolsonaro em visita à ÍndiaAlan Santos / Presidência da República
Por ESTADÃO CONTEÚDO
Nova Deli - Ao lado do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, Jair Bolsonaro reforçou, neste sábado, uma velha reivindicação da diplomacia brasileira: uma vaga de membro permanente no Conselho de Segurança da ONU - posto que a Índia também deseja.

"São dois grandes países. Estamos entre as dez maiores economias do mundo, juntos somos 1,5 bilhão de habitantes", comentou Bolsonaro a jornalistas, após chegar ao hotel em que está hospedado na capital indiana para uma missão presidencial de quatro dias. "Acredito que seria bom para o mundo Brasil e Índia estarem nesse clube".

As declarações foram dadas após a assinatura de 15 atos para promover e facilitar o comércio e os investimentos entre ambos os países.

Em seu discurso, Modi disse que Brasil e Índia têm objetivos convergentes.
"Nossas visões, em vários desafios enfrentados pelo mundo de hoje, são muito parecidas, incluindo nossa parceria no Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a reforma do Conselho de Segurança da ONU e de outras organizações internacionais", declarou o primeiro-ministro indiano.
Publicidade

Galeria de Fotos

Bolsonaro em visita à Índia Alan Santos / Presidência da República
Bolsonaro em visita à Índia Alan Santos / Presidência da República
Bolsonaro em visita à Índia Alan Santos / Presidência da República
Bolsonaro em visita à Índia Alan Santos / Presidência da República
Bolsonaro em visita à Índia Alan Santos / Presidência da República
Bolsonaro em visita à Índia Alan Santos / Presidência da República


A reivindicação do Brasil é histórica. Antes mesmo da fundação da ONU, ainda no período da Liga das Nações, o Brasil manobrava por um assento no Conselho Executivo (a versão do CS na época). Em 1926, após uma tentativa frustrada de vetar a entrada da Alemanha no órgão, o presidente brasileiro Artur Bernardes abandonou a organização.

Os planos foram retomados pelo presidente José Sarney, nos anos 80. O esforço do Itamaraty se intensificou durante as gestões dos dois chanceleres de Itamar Franco: Fernando Henrique Cardoso e Celso Amorim. No entanto, o clima de pós-Guerra Fria, favorável a uma reforma da ONU, mudou com os atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA.

Os ataques recolocaram a segurança na agenda global e a ONU entrou em crise. Na esteira da guerra ao terror, declarada pelo presidente americano, George W. Bush, os EUA atacaram o Iraque sem a aprovação do Conselho de Segurança, em março de 2003.

Em agosto do mesmo ano, um atentado em Bagdá matou 22 pessoas, entre elas o alto comissário para os direitos humanos, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, um dos mais influentes funcionários da ONU e amigo pessoal do secretário-geral, Kofi Annan. "Chegou a hora de a ONU se renovar", disse Annan. "Sob o risco de se tornar irrelevante."

Durante os meses seguintes, o Secretariado da ONU recebeu mais de cem propostas para reformar a organização. Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se identificou com o tema e aproveitou a abertura dada por Annan para reforçar a reivindicação brasileira.

Em 2005, o Brasil formou o G-4, ao lado de Alemanha, Japão e Índia, para atuar em conjunto pela reforma do CS da ONU. A manobra, porém, não avançou em razão do contra-ataque diplomático de rivais regionais: México, Argentina, Itália, Espanha, Coreia do Sul e Paquistão criaram um grupo batizado de "Unidos pelo Consenso", que barrou a reforma.

Hoje, o Conselho de Segurança da ONU tem 15 membros, sendo 5 permanentes e com poder de veto: EUA, Rússia, China, Reino Unido e França. Os outros dez integrantes são eleitos pela Assembleia- Geral para mandatos de dois anos.
Bolsonaro também afirmou neste sábado que pode rever a ação que o Brasil move contra a Índia na Organização Mundial do Comércio (OMC) por conta de subsídios à produção e exportação de açúcar. Modi pediu ao Brasil para que retire a ação referente ao açúcar e recebeu um aceno positivo.

Questionado por jornalistas sobre o tema, Bolsonaro respondeu que fará o possível para atender ao pedido. "Ele me disse que o açúcar comercializado para fora equivale a 2% do montante. Isso é pequeno. Pedi para o Ernesto Araújo (ministro das Relações Exteriores) a possibilidade de rever essa posição do Brasil".

O presidente disse que o Brasil não vai exigir nada em contrapartida, mas ressaltou que seria importante que a Índia aumentasse sua produção de etanol.
Publicidade
"O etanol... essa tecnologia nossa vindo pra cá, eles querem isso aí, acaba nos favorecendo também. Daí produz menos açúcar aqui, ajuda a equilibrar o mercado e é um sinal de aproximação com a Índia muito forte", afirmou.

Brasil, Austrália e Guatemala pediram a abertura de um painel da OMC para analisar os subsídios do governo indiano para produção e exportação de açúcar. O contencioso foi iniciado em fevereiro de 2019 e o Brasil apresentou seu pedido para o estabelecimento de um painel em julho de 2019, tudo já durante a gestão de Bolsonaro. O governo brasileiro argumentou, na ocasião, que as políticas indianas geraram prejuízos aos agricultores do Brasil, ao ajudar a derrubar as cotações do produto.

'Eu sou um capitão, ele é um pacifista'

Em seu primeiro dia de agenda oficial na Índia, Jair Bolsonaro visitou o local onde estão as cinzas de Mahatma Gandhi. Na cerimônia, estavam presentes duas visões de mundo diferentes: o presidente brasileiro, conhecido pela retórica agressiva e belicosa, lançando flores para o pacifista indiano, líder da resistência contra o domínio britânico e "patriarca" do país.

"Olha, eu sou um capitão do Exército. Ele é um pacifista, tá certo? Mas, obviamente, a gente reconhece o seu passado sempre pregando a paz, a harmonia, a liberdade", disse Bolsonaro.

A tradição de líderes estrangeiros oferecem flores a Gandhi é uma forma de demonstrar a importância do indiano.
"Os valores da paz e do pacifismo influenciaram vários ativistas de direitos humanos e pensadores em todo o planeta. A filosofia de Gandhi é muito apolítica e ele é uma figura admirada por quase todas as pessoas", disse o professor Umesh Mukhi, da FGV-SP. "A visita ao memorial é um sinal de honra e respeito aos valores e tradições da cultura indiana".

Gandhi é também um símbolo de unidade da Índia, país de 1,3 bilhão de habitantes com distintas etnias, idiomas e religiões. Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, em 1996, e Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004, também homenagearam o líder pacifista indiano.

Em sua viagem de quatro dias à Índia, Bolsonaro já foi a um templo hindu e visitou o mercado de Dilli Haat. Antes de voltar a Brasília, amanhã, ele tem programada uma visita ao Taj Mahal, um dos pontos turísticos mais conhecidos do país.