Presidente Jair Bolsonaro - Gabriela Biló / Estadão Conteúdo
Presidente Jair BolsonaroGabriela Biló / Estadão Conteúdo
Por MARTHA IMENES
O churrasco anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro neste sábado em meio à pandemia do coronavírus, que já matou 9.897 brasileiros e infectou 145.328 pessoas, foi duramente criticado por especialistas ouvidos por O DIA. Mesmo com as aglomerações não sendo recomendadas por autoridades sanitárias, o presidente disse na quinta-feira que vai "cometer um crime" para reunir os convidados. O evento, segundo ele, deverá contar com cerca de 30 pessoas e ainda terá direito a uma "pelada", "Estou cometendo um crime. Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma peladinha, alguns ministros, alguns servidores mais humildes que estão do meu lado", disse. Diante das críticas, ontem Bolsonaro ironizou e disse que vai chamar 1,3 mil pessoas.

"Este ato é justamente um modo de reiterar o descompromisso do presidente da República com a pandemia, que agora está chegando ao pico. Ou seja, ele mais uma vez demonstra desprezo pelas pessoas que estão morrendo", afirma Manoel Peixinho, advogado e professor da PUC-RJ.

"A Procuradoria-Geral da República deveria determinar a abertura de um inquérito para investigar a conduta do presidente. E mais: deveria entrar com uma medida preventiva para que esse churrasco não ocorra. Ele está ultrapassando mais uma vez os limites e tem plena consciência que está praticando um crime", diz Peixinho.

"Um churrasco hoje com todos os complicadores e riscos que todos sabem que tem, das duas uma: é uma total falta de amor à vida, descaso com o que se preconiza no mundo inteiro, é uma posição bastante de bastante risco. Ou é um jogo de futebol entre pessoas que já positivaram para a Covid-19", dispara Edimilson Migowski, infectologista.

O infectologista lembra que várias pessoas no Palácio do Planalto já tiveram a doença. "Com isso as pessoas se confraternizam de uma forma mais fácil", diz. Vale lembrar que mais de 23 pessoas que acompanharam o presidente Bolsonaro em viagem aos Estados Unidos testaram positivo para a covid-19. Inclusive o porta-voz da Presidência, Rêgo Barros, está afastado das suas funções porque foi infectado esta semana.
Para Chrystina Barros, gestora de saúde e integrante do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde do COPPEAD/UFRJ, o presidente contraria o próprio Ministério da Saúde, além da OMS, ao promover aglomeração de pessoas. "De fato, lidar com o vírus é difícil e um desafio. Mas pior que o vírus é o comportamento das pessoas", lamenta Chrystina. E complementa: "O Brasil precisa de bons exemplos, a sociedade precisa de bons exemplos. Essas ações que contrariam as recomendações sanitárias são um desserviço à segurança da sociedade".
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Cabe destacar que além de ministros e servidores da Presidência, o evento contará com outras pessoas como churrasqueiros, copeiras, porteiros, motoristas, garçons. Ou seja, um prato cheio para o vírus.
Para mudar o foco
Para Clarisse Gurgel, cientista política e professora da Faculdade de Ciências Sociais, da Unirio, a atitude do presidente é o gesto de um insano e ele precisa ser contido antes de causar mais danos à sociedade. "Mas do insano a gente tem piedade, tem dó e procura cuidar, e pela ausência completa de empatia do presidente da República, é difícil que se desperte na sociedade mais lúcida o desejo por amparar uma pessoa como se tratasse de uma pessoa apenas doente", diz Clarisse.
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A especialista chama a atenção para uma tática chamada na política de diversionismo, que é produzir certas situações que tirem a atenção do que está ocorrendo e mude o foco.  "Como o presidente Bolsonaro está sendo alvo de diversos processos e denúncias graves, inclusive de interferência na Polícia Federal para atuar em investigações que envolvem sua família em crimes gravíssimos, que vão desde o assassinato da vereadora Marielle até o uso de fake news e celebração de contratos com o Google e grandes corporações da comunicação para um golpe digital, ele tenta mudar o foco", afirma Clarisse.
"O presidente da República governou constantemente com este papel de mudar o foco da população, mas no caso era mudar o foco para ele, enquanto o Paulo Guedes tocava sua pauta de destruição do serviço público e de precarização ainda maior dos trabalhadores e das condições de trabalho. Ele cumpriu bem esse papel ao longo desse quase um ano de mandato", avalia a cientista política.
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Desprezo pelo coletivo 
"A ação do presidente demonstra seu desprezo pelo conhecimento científico que é o que embasa as medidas sanitárias que podem salvar vidas, recomendadas a OMS", adverte a advogada Izabel Nuñez, que é doutora em Antropologia e pesquisadora do Instituto Nacional de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC).

"O desprezo do presidente pelo coletivo é chocante, ele faz uso de uma ética individualista que ecoa muito no Brasil, que é essa ideia de não ter responsabilidade com a saúde do outro. Ele não tem a ideia da saúde do coletivo", complementa Izabel.

Izabel adverte sobre a precariedade do sistema de saúde: "O presidente tem acesso a tratamentos, a hospitais e, obviamente, se ficar doente vai conseguir um leito de hospital e ignora que o país que ele governa é composto de pessoas que não têm direito a essa oportunidade. Os leitos já estão acabando em São Paulo e no Rio de Janeiro e os médicos já estão tendo que escolher quem vai ser internado ou não. E o presidente age desse jeito. tem esse aspecto desigual, que despreza o fato de que a população não tem
acesso à saúde pública de qualidade", lamenta Izabel.