O ex- ministro Antonio Palocci, em audiência da Operação Lava jato - Reprodução
O ex- ministro Antonio Palocci, em audiência da Operação Lava jatoReprodução
Por Chico Alves
A história é antiga e encerra uma lição de moral. O pai leva o filho à praia, o garoto corre para dar um mergulho e pouco tempo depois grita que está se afogando. Desesperado, o homem se joga na água e consegue alcançar o menino. Nesse momento, o garoto sorri e diz que tudo não passou de uma brincadeira. O pai, então, dá uma bronca no filho: "Nunca mais faça isso! Se você fingir que está em perigo, quando realmente estiver se afogando eu posso achar que é brincadeira e não vou socorrer. Você pode se afogar de verdade". Muitos pais e avós já fizeram esse alerta a suas crianças. Mas parece que Antonio Palocci não teve essa lição.

Há pelo menos dois anos, de dentro da cadeia onde estava, preso por corrupção, o ex-ministro dos governos do PT começou a soltar revelações bombásticas sobre esquemas escusos que presenciou ou soube existir enquanto estava no centro do poder. Em junho do ano passado conseguiu sua primeira delação premiada. Já está na terceira delação e atualmente goza do benefício da prisão em regime aberto. Como na história do pai e do filho à beira do mar, as primeiras acusações de Palocci tiveram grande repercussão. Ontem, ele soltou mais uma bateria de petardos. Falou em propinas no montante estratosférico de R$ 335 milhões, envolveu vários políticos (a maioria do PT) e pelo menos 20 megaempresas. Poderia causar um terremoto. A maior de todas as delações, porém, teve repercussão muito abaixo do esperado.

Das duas uma: ou Palocci falou a verdade em todas as ocasiões em que delatou, mas a Polícia Federal não conseguiu provas suficientes; ou o ex-ministro é como o garoto da história, que blefou tantas vezes que ninguém sabe mais o que é ou não mentira. Só essas duas hipóteses explicam a falta de consequências de suas revelações. Desde quando resolveu divulgar as acusações a conta-gotas, a Lava Jato tem colaborado para essa banalização. Algumas dessas delações foram requentadas e vazadas pela força-tarefa a seis dias das eleições presidenciais. De tempos em tempos o ex-ministro reaparece, aponta a corrupção de alguns figurões e não se vê resultado concreto. Essa não é uma boa tática, como se vê.

Por outro lado, o último pacote de novidades de Palocci produz uma boa oportunidade para a equipe da Lava Jato decidir se vai ou não seguir os parâmetros ditados pelo personagem que já foi o seu maior expoente e ainda lhe serve de inspiração, o ex-juiz Sergio Moro. Muitas das acusações trazidas à tona agora pelo ex-ministro petista se enquadrariam no crime de Caixa 2. Em 2017, o então magistrado Moro disse, em uma palestra nos Estados Unidos, que "Caixa 2 é pior que corrupção". Em fevereiro deste ano, já investido como ministro da Justiça de Bolsonaro, Moro mudou radicalmente de opinião, ao ser confrontado com o crime praticado e admitido pelo seu colega de ministério, Onyx Lorenzoni: "Caixa 2 não tem a mesma gravidade que corrupção". Lorenzoni não foi punido e continua trabalhando no mesmo governo a que Moro serve.

Talvez decidir essa questão sobre a gravidade ou não do crime de Caixa 2 seja nesse momento fundamental para a Lava Jato obter resultados ainda mais concretos em investigações como as feitas a partir das delações de Palocci. O parâmetro escolhido não pode, no entanto, mudar de acordo com o personagem a ser investigado. Se Caixa 2 é um crime grave, Lorenzoni deveria ser punido com o rigor exigido para outros. Se não for assim, todo delator poderá ser visto como o menino que grita na água em vão, pois o pai sabe que está blefando.