Humorista Gustavo Mendes - Reprodução / Facebook
Humorista Gustavo MendesReprodução / Facebook
Por Chico Alves

A polarização política que nos últimos tempos tomou conta do Brasil produziu mais um episódio lamentável. O show apresentado na cidade de Teofilo Otoni (Minas Gerais) pelo humorista Gustavo Mendes, que interpreta a presidente Dilma Rousseff na TV e em seu canal do YouTube, foi interrompido por parte da plateia que se mostrou insatisfeita com piadas de conteúdo político. Depois de ouvir provocações e xingamentos, Gustavo acabou expulsando o grupo, sob o compromisso de que devolveria o valor do ingresso (veja aqui). Em entrevista exclusiva à coluna BASE, o humorista fala do ocorrido, diz que fez piadas parecidas sobre os presidentes Dilma e Temer e que não tem qualquer problema com os eleitores de Jair Boslonaro. "Meu problema é com fascistas que utilizam de discursos de ódio, que infelizmente o presidente ajuda a inflamar, para se sentirem donos da verdade e da razão, externarem seu ódio, sua intolerância contra as pessoas":



BASE - Em que momento começaram as provocações na plateia e o que os provocadores gritavam?

Gustavo Mendes - Desde o início do show começaram as provocações. A impressão que eu tinha é de que era um grupo articulado e que foi lá exatamente para isso. Desde o início do show queriam fazer isso. Era a intenção desse povo, desde que eu entrei no palco. Mas eu, ao perceber, cortei de imediato. Pedi que se retirassem, disse que devolveria o dinheiro. Quem não os queria ali era eu. Eles tentaram uma intimidação do tipo "não queremos que você faça o show", "não vamos deixar você fazer o show" e eu reverti a situação, sabendo que a verdade estava do meu lado. Disse: "Eu é que não quero mais vocês aqui. Saiam".



BASE - O que você fez, então?

Gustavo Mendes - O que eu fiz, ao entender a intenção dessa galera, dessa quase facção, foi dizer que eu continuaria com o mesmo show que eu faço no Brasil inteiro, com os mesmos temas que eu abordo no Brasil inteiro, com as mesmas piadas que eu conto no Brasil inteiro. Iria continuar e se eles não quisessem ouvir que se levantassem e se retirassem. Alguns tumultuando, gritando palavras tipo "Mito!", palavras fascistas pró-Bolsonaro... Lembrando: não eram eleitores do Bolsonaro... Era um grupo fascista, que por coincidência votou no Bolsonaro. O que eu fiz foi exigir que eles se retirassem, que eu devolveria o dinheiro deles. Eu não queria eles ali, porque ninguém precisa de fascistas perto, na sua plateia. Infelizmente não tem como selecionar quando a gente vende ingresso, mas naquela hora eu pude fazer isso. pedi para que eles se retirassem e segui com o show.



BASE - O grupo que saiu era muito numeroso? Quantos ingressos você teve que devolver? O show continuou depois desse incidente?

Gustavo Mendes - Não posso afirmar ao certo, mas acho que umas 30 pessoas saíram. A plateia continuou cheia. O problema é que eles são barulhentos demais, mas saíram todos de cabeça baixa e foram gritar lá fora. É como esses fascistas geralmente agem na internet, na calada do pseudoanonimato. Assim fizeram no show: saíram calados, de cabeça baixa, mas lá fora gritavam, porque lá fora não tinha rosto. Não sei ao certo quantos ingressos foram devolvidos, não é do meu conhecimento essa contabilidade. Mas eu prossegui com o show até o final.



BASE - Já tinha sofrido provocação parecida antes?

Gustavo Mendes - Nunca. Mas é uma onda em que eu não sou privilegiado. Roger Waters foi vaiado, Caetano Veloso foi vaiado, a Miriam Leitão não pôde lançar seu livro em uma feira literária, o Glenn (Greenwald), jornalista do The Intercept Brasil, responsável pela Vaza Jato, sofreu foguetaço em Paraty... Infelizmente, não sou quem está inaugurando essa onda fascista no Brasil. ela vem acontecendo, ela é muito perigosa e precisa ser revertida urgentemente.



BASE - Como é a reação dos simpatizantes de Bolsonaro quando encontram você?

Gustavo Mendes - A reação é sempre boa, amistosa. Não existe isso de nós contra eles. Bolsonaro é presidente do país e tenho vários amigos que votaram no Bolsonaro. Meu problema não é contra os eleitores dele, meu problema é contra fascistas que utilizam de discursos de ódio, que infelizmente o presidente ajuda a inflamar, para se sentirem donos da verdade e da razão, que externam seu ódio, sua intolerância contra as pessoas , contra a arte, contra os professores, contra tudo aquilo que eles não suportam, que é o conhecimento, a inteligência, a cultura. O problema é com essa minoria. Com os eleitores do Bolsonaro, não. A relação com eles sempre foi boa, amistosa, amável e permanecerá assim.



BASE - Você vai manter as críticas duras que faz ao governo Bolsonaro em seus shows e em seu canal no YouTube?

Gustavo Mendes - Vou manter minhas críticas, sim, como manteria a qualquer governo. Eu fiz isso durante os seis anos do governo Dilma, durante os dois anos do governo Temer e farei isso enquanto durar o governo Boslsonaro. Esse é o papel do comediante, o papel do artista. É apontar o as mazelas, apontar o dedo, denunciar. O humor é um lubrificante social que faz com que os assuntos dolorosos penetrem de forma mais fácil na sociedade. Eu permanecerei assim, esse é o meu papel.



BASE - Acha que episódios como esse mostram que o país está dominado por um sentimento fascista?

Gustavo Mendes - Tenho certeza que há um sentimento fascista dominando algumas pessoas no país e elas estão se sentindo libertas e com o aval do governo para serem assim intolerantes. Vivemos no país que mais mata transexuais no mundo, que mais mata LGBTs no mundo, que foi o último a sair da escravidão e ainda é racista. Temos a polícia que mais mata e que mais morre. A gente sempre foi assim, mas agora parece que há um aval do governo para que prossigamos assim , infelizmente. Isso, sinceramente, eu não vou deixar, não vai permanecer enquanto eu tiver voz e puder falar, eu falarei contra o fascismo que insiste em dominar a nossa sociedade.



BASE - O que os artistas podem fazer para evitar que essa onda de intolerância cresça ainda mais?

Gustavo Mendes - O que nós artistas podemos fazer é resistir, com fervor, com inteligência, com argumentos, com amor e principalmente resistir com a nossa arte. A arte é libertadora, a arte informa, muda conceitos, pode mudar uma história, pode mudar uma geração. Já vivemos isso no passado e assim prosseguiremos nesse atual momento. Fazendo resistência, fazendo a nossa arte, ainda que nos prendam, ainda que nos matem, a nossa voz não se cala, a nossa arte não para e a gente só se multiplica.