Ipanema fervia em dezembro de 1972. A icônica praia, lançadora de moda no país, convivia à época com a construção do emissário submarino, o que requereu um píer, que aparece ao fundo. E a estrutura também virou referência na cultura carioca: a escavação da areia criou as dunas, local que reunia artistas, intelectuais e também surfistas, já que a obra criou provocou a formação de boas ondas. - Arquivo O DIA
Ipanema fervia em dezembro de 1972. A icônica praia, lançadora de moda no país, convivia à época com a construção do emissário submarino, o que requereu um píer, que aparece ao fundo. E a estrutura também virou referência na cultura carioca: a escavação da areia criou as dunas, local que reunia artistas, intelectuais e também surfistas, já que a obra criou provocou a formação de boas ondas.Arquivo O DIA
Por Thiago Gomide
Pense em um lugar improvável de fazer sucesso.
Chegamos ao píer de madeira e ferro construído para abrigar uma tubulação que levava esgoto ao alto-mar.
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A praia de Ipanema estava dividida naquele começo de 72.
A obra mexeu com as composições físicas e emocionais da região.
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Para instalar as pilastras, foi preciso remover areia do mar. Dunas foram geradas. Era complicado se ver o horizonte do famoso calçadão.
As mudanças nas estruturas abalaram os rumos das marés. Ondas gigantescas nasceram naquele espacinho até então ignorado pelos corpos bronzeados e os incansáveis surfistas, frequentadores do Arpoador.
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Com o novo cenário, um mundo novo se apresentou, tal qual um reduto de paz e amor em meio a confusão de uma metrópole e a ditadura assinada, naquele instante, pelo General Emílio Médici.
E a turma aproveitou. Aproveitou por demais.
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Os surfistas ficavam o dia inteiro na água, contrariando a lei da época, que indicava que após as oito da matina nada de prancha e parafina.
Quem reinava nesse quesito era José Artur Machado, mais conhecido como Petit. Ele ficou eternizado como o “Menino do Rio”, homenageado por Caetano Veloso.
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“Menino do Rio
Calor que provoca arrepio
Dragão tatuado no braço
Calção corpo aberto no espaço
Coração, de eterno flerte
Adoro ver-te...”
Por falar em Caetano, artistas apareciam aos montes atrás dos últimos debates. A contracultura ganhou força ali, com chinela de dedo, cabelos encaracolados e pele tostada.
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Jards Macalé, Jorge Ben, Jorge Mautner, José Wilker, Luiz Melodia, Caique Botkay e Cecília Conde batiam ponto.
Galera do teatro, da música, da psicanálise, da universidade, de casa da vovó e até quem não tinha tribo alguma pra chamar de sua.
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Quem era de um fuminho, puxava um fuminho. Quem era de beijinhos mais calientes, encontrava um cantinho pra tal. Quem era de jogar futebolzinho na areia, criava suas próprias regras.
Os “Novos Baianos”, que moravam em Vargem Grande, partiam da Zona Oeste pra organizar trinta de um lado, trinta do outro. Imagine a loucura. Era comum sair alguém da água e marcar um gol de fim de campeonato.
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Perto dali, no Teatro Tereza Rachel, em Copacabana, uma tal de Gal Costa arrebentava com o show “Gal a todo vapor”, com direção do poeta Waly Salomão. “Vapor Barato”, de composição do baiano de Jequié e sorriso largo e de Jards Macalé, era a música mais esperada.
Antes de subir ao palco, Gal reinava em outro canto, nas dunas que seu nome batizou.
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A festa da moçada terminou em 1975, quando o píer foi desmontado.
Ipanema nunca mais seria a mesma.