Profeta Gentileza se tornou um dos personagens mais famosos da história do Rio de Janeiro - Reprodução Wikipedia
Profeta Gentileza se tornou um dos personagens mais famosos da história do Rio de JaneiroReprodução Wikipedia
Por Thiago Gomide
Estamos bem perto da rodoviária Novo Rio. Década de 1980.
De longe é possível avistar um homem vestindo túnica branca, ostentando barba grande e segurando uma placa com dizeres religiosos.
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Ora ele berra. Ora dá uma corrida em mulheres. Ora recita.
Escrever sobre o Profeta Gentileza é tirar da caixinha as múltiplas interpretações que um personagem como ele consegue sugerir.
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Na página do Tá na História, no Facebook, o seguidor e leitor dessa coluna Jorge Batista recorda: “Ao andar pelo centro do Rio, ficava assistindo-o escrever e recitar poesias. Bons tempos”.
A leitora Ana Maria Caetano diz: “Trabalhava em escola do subúrbio e morava na Zona Sul. O ônibus passava pela rodoviária e ele estava escrevendo naquelas pilastras com a barba longa e a túnica branca. Vi muito!”
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Ana está se referindo às 56 pinturas em diferentes pontos da antiga Perimetral, se estendendo da Avenida Brasil, na altura do Cemitério do Caju, à rodoviária Novo Rio. A arte e as características da escrita se tornaram marcas do Profeta. A emblemática frase “Gentileza gera Gentileza” pode ser encontrada em copos, canecas, tapetes, cangas, camisetas e até túnicas.
Gentileza virou produto comercial por causa da mistura de excentricidade, palavras positivas e esquecimento de parte de suas pregações e atitudes.
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“Ele perseguia a mim e minhas amigas quando saíamos do trabalho, falando das nossas saias curtas. Fugíamos dele pra não passarmos vergonha!”, escreveu Celia Lousada na página do Tá na História.
Esse constrangimento não foi exclusivo. Olha o que postou a Scheilla Oliveira:
“Fui xingada por ele na rua quando tinha 12 anos, porque eu estava de bermuda. Foi muito constrangedor”.
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Na ECO-92, evento que reuniu líderes de todo mundo no Rio de Janeiro, para um debate sobre o futuro sustentável do planeta, Gentileza cobrou consciência. Há frases escritas nesse período. 
Entre berros e afagos, Gentileza foi atravessando e marcando gerações. Agora, uma questão ainda importuna muitas pessoas: qual é a história dele.
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Quer saber a resposta? Então continue a leitura. 
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José Datrino era um entre 10 filhos de um casal de camponeses. Nasceu na cidade de Cafelândia, no interior de São Paulo, em 1917. Começou a trabalhar no campo já muito novo, com apenas 11 anos de idade. Ele puxava carroça, vendia lenha pela cidade.

Ainda na infância ele dizia que guardava uma premonição: estava predestinado a ter sua própria família, acumular pertences e depois abandonar tudo pra seguir uma missão.

Os pais do futuro profeta ficaram preocupados, achando que ele estava maluco. Levaram em curandeiros e médicos. Nada mudou.

Aos 20 anos de idade, José Datrino sai de Mirandópolis, cidade onde sua família morava, rumo ao Rio de Janeiro.

A mãe, o pai e os irmãos só foram ouvir falar de novo no José quatro anos depois. Ele já estava estabelecido no Rio e fazia fretes pra sustentar seu casamento com Emi Câmara.

Gentileza chegou a ter uma transportadora de cargas na rua Sacadura Cabral, no centro do Rio. Quer saber detalhes desse período? Ele tinha 3 caminhões, 3 terrenos, uma casa e 5 filhos com Emi.

O começo da transformação de José Datrino em Profeta Gentileza foi quando ele recebeu uma visita de um homem que queria ser sócio da sua empresa de transportes.

A filha mais velha de Datrino, Maria Alice, conta que assim que o visitante foi embora, o pai se jogou no chão do quintal de casa. Gentileza começou a se enrolar todo em lama e barro, cobrindo o corpo todo, e logo depois ele liberou todos os animais que tinha. Pássaros, galinhas, tudo.

Essa epifania do Datrino foi mais adiante quando ele recebeu um chamado logo depois de uma tragédia terrível. No dia 17 de dezembro de 1961, o Circo Norte-Americano em Niterói foi vítima de um incêndio criminoso: 500 pessoas foram assassinadas, a maioria crianças. O número de feridos passou de 800.

Seis dias depois da tragédia, na antevéspera do Natal, Datrino passou todos os bens para a família, entrou em um dos seus caminhões e dirigiu para a área onde a tragédia tinha acontecido.

Ele passou a plantar flores e uma horta nas cinzas do circo. Várias pessoas achavam que ele tinha surtado por ter perdido algum filho ou algum parente.

Foi ali que Datrino passou a ser chamado de Profeta Gentileza. A reunião de plantas que ele cultivou ficou conhecido como Jardim Gentileza.

Para se tornar um andarilho foi um pulo.

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Na década de 1990, parte da obra dele foi apagada. A grita popular foi intensa. A cantora e compositora Marisa Monte escreveu a letra “Gentileza”:
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“Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
A palavra no muro
Ficou coberta de tinta
(...)
“O mundo é uma escola
A vida é o circo
"Amor: palavra que liberta"
Já dizia o profeta”