Romeu Evaristo  - SERGINHO CARVALHO
Romeu Evaristo SERGINHO CARVALHO
Por O Dia
Fofoca quente é com ele mesmo! Fabrício é tão fofoqueiro que poderia até dar pinta aqui na coluna. Pena que é um personagem da ficção. Mesmo assim, convocamos Romeu Evaristo, intérprete do morador mais atento de Bom Sucesso, da trama das 7 da Globo, para contar sobre como é dar vida a uma pessoa tão língua de tapete como a gente. O ator também falou sobre seus trabalhos antigos, como o eterno Saci, da primeira versão do 'Sítio do Picapau Amarelo', personagem que eternizou em sua carreira. Romeu, que é pai da também atriz Dandara Mariana e do geofísico Noah, contou como é sua relação com a família e revelou que quer ter muitos netos.

Como está sendo esse retorno às novelas?
Depois de 16 anos fazendo humor, não teria momento melhor para voltar à dramaturgia, ainda mais no atual momento que vem passando o Brasil, nesse caos que esse governo tem causado. A novela é um respiro para a sociedade, numa trama em que a literatura, a educação e a cidadania são abordadas na novela.

Como é dar vida a um personagem fofoqueiro?
Imagina uma pessoa aposentada que, para complementar a renda, vende uma balinha e um café? O que ele tem de mais cinematográfico? A vida dos outros. A casa da protagonista e o acontecimento com os filhos dela servem como um cinema para ele. É uma história diária que ele assiste. Todo dia acontece alguma coisa e ele fica assistindo tudo. É melhor que televisão (risos).

Você já conheceu muitos fofoqueiros na vida real?
Eu fui criado na Baixada, não tinha espaço para fofoqueiro de calçada não. Não sendo machista, mas isso ficava a cargo das mulheres que, quando uma chegava na casa da outra, ia conversar sobre a vida alheia.

Você já conviveu com alguém assim?
Não me lembro de conviver com uma pessoa como o Fabrício e a mulher dele, a Terezinha (Stella Freitas).

Você já foi vítima de fofoca alguma vez?
Fofoca sempre corre, sempre tem alguma coisa que falam que você fez ou não fez. Fofoca é um jornal falado (risos). Não me lembro se já passei por uma fofoca grande assim, que tenha me causado problemas. Eu sou muito reservado em relação a isso. Também acredito que nunca disseminei uma fofoca muito grande não.

Por mais que já tenha feito muitos papéis, inclusive na TV, te incomoda ser lembrado eternamente como o Saci do 'Sítio do Picapau Amarelo'?
Claro que não. Eu viajei muito com o Lima Duarte na década de 80 e ele me disse uma coisa que me marcou. Ele me falou que a pior coisa do ator é não ter um personagem conhecido. Se o Lima Duarte era o Zeca Diabo (de 'O Bem-Amado'), por que Romeu Evaristo não pode ser o Saci? Eu tenho 45 anos de carreira e tenho um personagem vivo que, todos os dias, eu encontro pessoas que lembram dele. Recentemente, fui almoçar em Niterói e, ao entrar no restaurante, a primeira coisa que uma menina me falou foi: "Eu te adorava com uma perna só".

Muita gente fala que a própria obra infantil de Monteiro Lobato é tão racista quanto o autor. Você concorda?
O Saci era um negro que não era submisso a ninguém. Ele chamava Dona Benta de Dona Coisa, O Tio Barnabé de Tio Véio. Ele era um negro solto. Uma coisa que se tem que contestar é por que a farinha chama Dona Benta sendo que era a Tia Anastácia que cozinhava? De certa forma, Monteiro Lobato vivia numa época em que 90% do preconceito perdurariam. Quantas coisa ele colocou muito à frente da época? Ninguém fala nisso...

A gente sabe que o negro sofre preconceito todo dia. Mas já teve algum episódio marcante de racismo?
No fim da década de 80, eu comprei uma cobertura no Grajaú e algumas pessoas do prédio não se conformavam com isso. Eu sabia que era preconceito. Eles inclusive convocaram uma reunião porque eu havia comprado o imóvel. Mas eu sempre enfrentei o preconceito com a maior dignidade. Você tem que ter tranquilidade de lidar com preconceito. Se você tiver calma para lidar com a pessoa preconceituosa, você consegue deixá-la na forma de um lixo de pessoa tão grande que ela mesma vai ter essa dimensão.

Como vê o mercado para artistas negros?
Houve uma melhora, mas precisamos mais. Hoje, existe uma abertura melhor. Prova disso é a novela 'Bom Sucesso', que vem fazendo sucesso. Tem quase 47% de negros no elenco. Na trama tem casais negros, o protagonista é negro, o médico é negro. Não precisa muito não. Numa época em que um governo é preconceituoso, 'Bom Sucesso' veio no momento exato.

Você conviveu com a violência?
A violência nunca deixou de existir. Hoje, ela está banalizada. Com esse programa de governo não querendo aumentar salário, a quantidade de pessoas dormindo na rua é um absurdo. Todo mundo sem emprego. Não tinha o tráfico de drogas muito forte, mas, infelizmente, tive amigos que morreram para o tráfico.

Como vê sua filha Dandara Mariana seguindo os mesmos passos que você?
Dandara ia ser arquiteta. No princípio eu tinha uma resistência. Não queria que ela fosse atriz porque sei desses altos e baixos da profissão. Mas um dia ela fez uma peça dramática em que virei para ela e disse: "Você é artista mesmo. Agora você tem que estudar". Depois disso, ela terminou a faculdade. Eu coloquei a Dandara numa posição que eu não estive, que eu não pude na época. Eu dou o melhor para ela. Eu acredito que a tendência dela é ir melhorando.

A Dandara já fala em casamento e em lhe dar netos?
Ela não fala nada não. Essa juventude já casa antes de falar alguma coisa (gargalhadas). Ela vive lá e aqui em casa. Não tenho netos ainda, apenas dois cachorrinhos (risos). Claro que sinto vontade de ter netos. Com 63 anos, é claro que eu não negaria a você que tenho uma vontade muito grande de ter um netinho.
Mas dizem que avô estraga o neto...
Mas é bom mesmo para ter mudança. O avô já viveu de tudo, deixa estragar para os pais acertarem depois. O que é o certo? O certo é honestidade e caráter. O resto vai se ajeitando com a vida.

Outro personagem marcante da sua carreira foi o Angolano, do 'Zorra Total', que você interpretou por quase dez anos. Por que saiu do programa?
O (diretor Maurício) Sherman saiu, eles fizeram uma mudança no programa e tiraram os antigos atores. A partir do momento que o Sherman, que me levou para lá, saiu do programa, nada mais natural que outro diretor não continuasse comigo. Mas você não pode ficar chateado quando decidem esse tipo de coisa. O que me dá mais satisfação é que o público tem muito mais saudade da 'Zorra' antiga. Isso pra mim é uma resposta.

O que mais te tira do sério atualmente?
O que mais me irrita profundamente é o que o governo está fazendo com o pobre. Eu, que tento fazer um Brasil melhor, vejo muita sacanagem desses políticos do atual governo. Eu espero que, como brasileiro, a situação melhore. Mas os oito primeiros meses foram de catástrofes.