Tony Ramos em 'Vade Retro'
Tony Ramos em 'Vade Retro'Divulgação/Globo/Ramon Vasconcelos
Por O Dia
Esta colunista tem um orgulho enorme do entrevistado de hoje. Formada em Comunicação Social desde 2000, digo seguramente que Tony Ramos é o mesmo cara de sempre. Na entrevista a seguir, ele diz que segue sonhando do alto de seus 72 anos, fala sobre Deus, dá uma aula de TV e diz que está preparado para ser dispensado. Eu me atrevo a dizer que seria esse o maior tiro no pé da TV Globo. Porque Tony Ramos é patrimônio público pelo conjunto da obra. Um excelente ator, sério, íntegro, que sempre respeitou todos os profissionais - me incluo nessa nas diversas vezes em que o entrevistei - e nunca teve seu nome envolvido em escândalo. Muito bem casado com a doce Lidiane, não há uma notícia de uma briga do casal. Neste domingo, eu te desafio a ler essa entrevista emocionante sem chorar. Obrigada de todo o meu coração, Tony. Eu te amo.
Como tem sido a quarentena?
A quarentena começou no dia 12 de março. Dois dias antes eu gravei ainda para a Sportv sobre os Jogos Olímpicos de Tóquio, que acabaram nem acontecendo. Eu fiz a narração de um documentário muito bonito e acho que agora só vai ao ar quando as Olimpíadas acontecerem. Quando eu saí dos estúdios, fiquei sabendo o que estava acontecendo em São Paulo com um turista que tinha vindo da Itália e logo em seguida começaram os alertas e eu não saí mais de casa. Só saí em agosto para fazer os exames que todo homem deve fazer que são de urologia por ano. O meu médico disse que eu poderia ir porque o consultório estava todo pronto para atender os clientes, protegidos. Fiz teste de Covid-19 e não deu nada. Hoje, eu estou mais tranquilo.
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O senhor ainda está em quarentena, mas já tem alguma previsão de ser escalado de novo para alguma novela? Quando veremos o Tony nas telinhas da Globo de novo?
Eu já estou na reprise (risos). Estou no Viva sempre. Agora com 'Mulheres Apaixonadas', 'Laços de Família' e lançaram recentemente no Globoplay 'Torre de Babel'. O que eu já dei de entrevistas para falar agora de 'Laços de Família', você não faz ideia. Todo mundo repercutindo o personagem Miguel, dono de uma livraria. De forma que na memória popular, ficou reavivado e quem não pode ver há 20 anos, às vezes nem era nascido. Agora estou pré-escalado para uma coisa nova que já recebi a sinopse. São 110 páginas de sinopse que o João Emanuel Carneiro enviou. Li e estou aguardando quando será feita porque as produções estão voltando aos poucos. Era prevista para gravar agora, mas por causa da pandemia ficou para fevereiro ou março.
Temos algum novo projeto sem ser novela?
Tenho um longa para ser lançado que é '45 minutos do Segundo Tempo', filme de Luis Villaça, com Cássio Gabus Mendes, Ary França, Denise Fraga e Louise Cardoso. O filme é lindo, é um poema e com muita comédia. A gente quando se apaixona por uma ideia não tem como não fazer. O filme está na prateleira. A gente não quis lançar de qualquer maneira. Tem que ter calma. Tenho também convites para fazer teatro e mais dois roteiros para analisar. Só que eu tenho que aguardar as decisões da Globo sobre a minha novela. Eu não posso assumir nada sem antes saber quando começam a gravar a minha novela. Não vou fazer duas coisas ao mesmo tempo.
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Tony, como você vê essa mudança da TV para streaming? Te assusta?
Em nenhum momento. A gente está preparado para isso há muitos anos. Eu vejo televisão e faço televisão ininterruptamente há 57 anos. Comecei com televisão ao vivo, passei pelo videotape, vi a evolução dos equipamentos e, hoje, as câmeras são mais leves, não existem aquelas cabos enormes. Você também vai acompanhando a evolução da própria televisão. Quando a TV a cabo foi criada aqui, já era uma realidade na América há muitos anos. Tudo foi mudando e você sabia que a televisão chegaria a essa coisa de escolha, que são os streamings. Um não mata o outro. Um depende do outro. Tanto que a TV aberta continua nos Estados Unidos liderando. Por que? Porque a TV aberta é de graça, você não precisa pagar nada, você acessa o que quiser. Na verdade, tudo vai coexistir. Medo nenhum. Pelo contrário.
Com as mudanças que vem acontecendo na TV Globo, muitos atores estão perdendo o contrato fixo para trabalhar por obras. Nem alguns dos veteranos foram poupados. Como o senhor enxerga essa mudança? Tem receio que aconteça também com o senhor?
Isso já aconteceu na década de 90 quando teve o Plano Collor. Aconteceu há uns 15 anos. Já aconteceu de ficar dois, três meses sem contrato há 25 anos, quando a emissora viu que era melhor ter a exclusividade com o ator. Ano passado, eu tive colegas veteranos que saíram e eu mesmo fiquei quatro meses esperando o contrato ser renovado em 91. Periodicamente isso vai acontecer. Eu vejo como um movimento natural, normal. Acho que, muitas vezes, a televisão vai ter que repensar nisso porque eu vejo que alguns nomes e eu cito Tarcísio Meira e Glória Menezes, por exemplo, deveriam ter sido aposentados pelo ponto de vista corporativos. Uma homenagem a eles que sempre acreditaram na empresa e desde o começo foram para empresa como investimento, como já disse o Boni publicamente. Não viram dessa forma. Mas, você tem que entender que o mercado é isso. Confesso que fico atento. Se amanhã não quiserem, outros vão querer. Faz parte do jogo.
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Tem receio que aconteça também com o senhor?
As palavras receio e medo não me habitam. Eu não sou um homem de ter medos e receios. Eu sou muito realista. Os meus familiares até falam que eu sou realista demais. Não tenho medo. Pelo contrário. Eu poderia estar amanhã no veículo A, B ou C, no streaming A, B, C, D, ou nos projetos pessoais. O profissional que está há 57 anos no mercado precisa ter previsibilidade. Tem que se prevenir e isso faço há muito tempo.
O senhor é um dos funcionários mais ativos da Rede Globo, com praticamente uma novela por ano. Nunca quis o famoso ano sabático que essa nova geração gosta para descansar a imagem?
Ano sabático se eu tirar vai ser ocupado com outra coisa. Não apareceu essa chance de ficar tanto tempo fora. Os convites apareceram, as ideias surgiram e eu sou apaixonado por ideias e projetos. Quando aparece algo bom, eu quero fazer. Eu tenho muito prazer em trabalhar, tenho muito prazer de fazer novelas. Eu não penso em ano sabático. Olha, eu com três semanas de férias já me dá nos nervos. Evidentemente, eu não sou maluco de fazer uma coisa atrás da outra a essa altura da minha vida e da minha carreira. Graças a Deus, tenho uma carreira bem-sucedida e eu não posso fazer qualquer coisa a qualquer momento e isso nem a TV Globo, a quem eu sou ligado e tenho contrato, quer. Mesmo que saia de lá, eu não vou sair fazendo qualquer coisa. Vou fazer teatro, vou ser o meu produtor, vou trabalhar, vou correr atrás, vou sonhar. Sou um homem de 72 anos que ainda tem sonhos.
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Recentemente, o Boni disse que alguns atores foram investidores da TV Globo quando ela começou porque acreditaram em um projeto. Citou o seu nome. Como foi a sua chegada à emissora?
Foi a melhor possível! Foi uma grande recepção de amigos e colegas queridos da TV Tupi, que eu acabei reencontrando. Cheguei já trabalhando, apresentando o 'Globo de Ouro', que era semanal e com plateia. Fazia novelas ao mesmo tempo e trabalhando muito. Foi naturalmente. Fui muito bem recebido. A Globo é uma grande casa. As pessoas, muitas vezes, falam o que interessam a elas, mas presta atenção na programação da emissora? Às 4 da manhã ela entra com o 'Hora 1', depois os telejornais locais e 'Bom Dia Brasil', passa por 'Mais Você', 'Encontro com Fátima', 'Globo Esporte' e 'Jornal Hoje'. Tudo produção da casa com mão de obra brasileira e continua com novelas, jornais, programas até a madrugada. Noventa e quatro por cento da produção da Globo é feita por mão de obra brasileira. É uma empresa que dá muito orgulho. Eu não sou dono dela, amanhã ela pode não me querer mais lá, paciência, mas eu sempre reconhecerei isso. É uma das maiores emissoras do mundo e que fala para a sua gente brasileira. Estou muito feliz lá. Se não me quiseram lá como contratado, fixo e eventualmente podem me chamar por obras ou não, tudo bem. Vida que segue.
O senhor é uma unanimidade dentro da Globo. Como o senhor vê isso?
Olha... Não há essa unanimidade. Eu tenho muito carinho e respeito por todos os meus companheiros e eles sabem disso. O ser humano quando é espontâneo nas suas reações, nos sentimentos e como vive o seu cotidiano, as pessoas percebem. Isso é fruto do que eu sou e fui criado dessa maneira: respeito o próximo para ser respeitado, respeita as opiniões alheias mesmo que elas sejam contrárias as suas. Seja um democrata na vida desde a hora que acorda até a hora de dormir. Você não é o dono da verdade. O que me move na vida é o amor ao próximo. Agora fora da televisão e fora desse convívio de trabalho, deve ter gente que me ache chato, metido certinho... Não tenho rede social e então, eu não sei o que falam de mim (risos).
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O Renato Aragão fez uma rede social recentemente. O senhor não pensa em ter uma?
Não. Não é meu perfil. O meu perfil é ler muitos livros, fazer palavras cruzadas e assistir as minhas novelas, filmes e séries. No lançamento da novela 'O Sétimo Guardião' me perguntaram quem eu seguia e aí eu brinquei: 'ninguém! não sou detetive' e rimos todos.
Tem algum papel que o senhor não fez e gostaria de ter feito?
Eu nunca escolhi um personagem. Recentemente, participei do programa do Pedro Bial e ele foi quem me passou que eu fiz 140 personagens na minha vida entre televisão, teatro e cinema. Muitas mais na televisão, mas foram mais de 30 no cinema e no teatro também. São praticamente 80 papeis na teledramaturgia e como é que eu posso escolher um? Todos eles são importantes e não me arrependo de nenhum. Sou grato a Deus por ter saúde, de receber convites e ser ainda procurado para ter trabalho. Talvez, eu gostaria de fazer algo que falasse da música erudita, a música clássica. Discutir esse estilo e mostrar como é bom ouvir a música clássica. Poderia ser um maestro, um professor que dialogasse com os jovens.
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O senhor foi o primeiro ator a protagonizar o primeiro nu masculino em uma novela brasileira, dando o que falar na época como o personagem Marcio em 'O Astro', em 1977. O que lembra desse episódio?
Foi uma gravação normal. A equipe era incrível e os diretores Gonzaga Blota e Daniel Filho foram cuidadosos. Para mim, o Daniel foi um dos grandes diretores da televisão brasileira e de cinema também. Ele me chamou e falou 'fique tranquilo que a equipe é a nossa e vão ficar só as pessoas previstas em cenas'. E aí eu fiquei nu como se fosse na minha casa, mas com a colaboração de todos os meus colegas. Ninguém falou nada e não houve nada de curioso. Houve um ensaio e eu ensaiei de roupas. Na hora de gravar, o Daniel falou: 'vai valer a primeira e não vai ter repetição'. Todo mundo concentrado, eu tirei a roupa e saí de cena nu. No dia seguinte, fizemos a externa. Foi normal. Depois, eu fiquei nu nas séries 'O Sorriso do Lagarto' e 'Primo Basílio'.
Poucos foram os vilões e gays na sua carreira. Por que os autores não escalam o senhor para esses personagens. No filme 'Se eu fosse Você' a sua atuação foi incrível.
Ali era uma licença poética de como o homem vê a mulher no casamento e como a mulher vê o homem no casamento. Tinha aquela brincadeira de um assumir a personalidade do outro. Eu tive que fazer o personagem feminino com feminilidade, sem trejeitos ou piadinhas. Era engraçado por si só e engraçado por ver aquele ator peludo fazer uma mulher e como era engraçado ver a Glorinha [Pires] no papel de um machão. Mas, eu não vejo nenhum problema de fazer gay ou vilão. Eu fiz um psicopata na novela 'A Regra do Jogo', de João Emanuel Carneiro, em 2015, que o Zé Maria matava por prazer. Só gostava dos dois filhos e de mais ninguém. Em 'Torre de Babel', em 1998, eu fiz o José Clementino, que mataria a esposa e o amante. Se me derem amanhã comédia e depois três novelas seguidas fazendo comédias, não vou ter problemas. Já fiz tudo que eu queria fazer e estou sempre a dispor para fazer bons textos, boas ideias e boas histórias. Gay, eu fiz no teatro nos anos 70, que era uma peça que discutia seriamente o assunto, chamada 'Rapazes da Banda' e ficou três anos em cartaz. Eu sou ator e ponto final.
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Se o Tony Ramos não fosse ator, o que teria sido?
Nunca pensei. Desde a minha tenra infância eu sempre sonhei com essa carreira. Quando eu estava para entrar na faculdade, com 17 anos, eu pensei em fazer Arquitetura ou Direito. Passei para Direito, mas acabei não seguindo.
O senhor costuma estar sempre muito bem-humorado, de bem com a vida. Tem algo que te tira do sério?
Eu sou bem-humorado mesmo. Acho que a vida sem humor deve ser um porre e é fundamental as pessoas não se levarem tanto a sério ou que são donos da verdade absoluta. Tem muitas pessoas que não acreditam, como eu acredito em Deus, só Ele tem a verdade absoluta. Felizmente, sou casado com uma mulher com um bom humor incrível, uma mulher inteligente e muito culta e isso é ótimo. O que me tira do sério é soberba, olhar blasé e aquela ideia de ser o 'dono do mundo'. Merece o desprezo e a minha repulsa imediatos.
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Tem alguma novela que mais te marcou? Por que?
Vai ficar sem resposta essa. Todas me marcaram. As da TV Tupi, se eu falar, o seu leitor acima dos 50 anos vai lembrar porque a emissora fechou há 40 anos, mas lá eu fiz grandes novelas. Fiz grandes novelas também na Globo. Cada novela me marcou diferente e fez sucesso diferente. Uma novela que eu amei fazer e não teve tanto sucesso foi 'Filhos da Mãe', mas amava fazer.
Pensa em se aposentar?
Eu já sou aposentando pelo INSS. Me aposentei com 37 anos e quatro meses de contribuição há oito anos. De novelas e na minha profissão nem a pau. Vou continuar fazendo o vovô, o bisavô.... Vou fazer e Deus há de me permitir porque eu não fiz mal a ninguém e só pensei em viver e trabalhar.
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Depois desse turbulento 2020 que já estamos chegando ao final, o que o senhor espera de 2021?
Eu espero a vacina contra o coronavírus. Nada mais do que isso. Torço para que eu volte ao meu dia a dia, ao meu normal. O normal é saber que a vida é trabalho, é respeito, são as dificuldades, o carinho. Eu espero que a vacine chegue e nos proteja desse vírus altamente agressivo.
O que podemos tirar de lição dessa pandemia?
Que essa pandemia veio para nos alertar e saber que somos todos vulneráveis e que ninguém é o dono da verdade.