Luarlindo Ernesto - Daniel Castelo Branco / Agência O DIa
Luarlindo ErnestoDaniel Castelo Branco / Agência O DIa
Por Luarlindo Ernesto
Rio - Corria o ano de 1960. Nessa cidade, a de São Sebastião do Rio de janeiro, São Cristóvão, o bairro Imperial, tipicamente um bairro operário, ainda mantinha indústrias e até um restaurante popular existia e era da então, Previdência, na Praça da Bandeira - antigo SAPS - e a estação ferroviária de Francisco Sá, a conhecida Linha Auxiliar, ajudava a movimentar a Rua São Cristóvão, pertinho da Praça da Bandeira.
A mais nova empresa a chegar, o jornal Última Hora, inovou em construir prédio de 4 andares na Rua Sotero dos Reis, bem em frente a um terminal de carga - leiteiro - da ferrovia.
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Todo mundo conhecia todo mundo. Era o tempo da vaca leiteira, um caminhão com um tanque de alumínio que percorria vários bairros, vendendo o leite ( sempre "batizado").
Entre as Ruas São Cristóvão e a Sotero dos Reis, a Rua Hilário Ribeiro, conhecida como a Rua dos Adornados, detinha um baú enorme de histórias trágicas/amorosas/.
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Tempo bom... eu curtia meus 17 anos ( jovem, com dinheiro, criado em uma fortaleza do jogo do bicho, bem no coração da área). Estudava em colégio particular (dos Irmão Maristas), fazia "estágio" no jornal, no horário da madrugada, já era fumante e tinha um carro - na garagem estava um Fiat Pulga, ano 1948, vermelho, com bandeira de pirata na antena do rádio e descarga livre.
Tinha três namoradas: Laura, Teresa e a exuberante mulata Zuleica -1,78 de altura contra os meu 1,63 - daí me apelidaram de "Bengala de Mulata". Um luxo..
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O Presidente da República era, ainda, Juscelino Kubitschek, o presidente bossa nova, que passaria a faixa presidencial, pouco depois à Jânio Quadros.
A Rua dos Adornados , a Hilário Ribeiro, rendeu várias histórias. Cheguei a passar algumas para o "colega de redação" Nélson Rodrigues, dono da coluna "A Vida Como Ela É".
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Um outro importante colega da mesa ao lado, o Aparício Torelly, ou Barão do Itararé para os íntimos, não se interessa pelo tema traição conjugal/tragédia passional, ou amor não correspondido. Ele preferia outros temas nacionais.
Mas, sem esquecer da Rua dos Adornados (Rua dos Cornos, naquela época era muito forte, quase palavrão), abrigava um casal, digamos avançado para aqueles anos. Ele era "gerente", ou cafetão. O Carlão, funcionário do extinto IPASE (Instituto de Aposentadoria dos Servidores do Estado.
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Ela, Creuza, alta funcionária da Zona do Baixo Meretrício (ou,ZBM), viviam às turras mas conviveram por anos e anos. Creuza, nordestina, de estatura alta, ciumenta ao extremo, não se conformava em ver Carlão de conversa com vizinhas. Logo partiam para luta corporal. Em plena rua! Ela sempre ganhava a briga.
No dia que ele ganhou a luta, Creuza foi à loucura. Entrou em casa, se embebedou de álcool e, vestindo apenas uma minúscula calcinha preta, chegou até a janela e gritou para Carlão: "Vou queimar seu ganha pão".
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Ato contínuo, riscou um palito de fósforo e ateou fogo ao peludo baixo ventre. Correria, gritos de socorro, cenas patéticas. A ambulância levou a mulher para o Souza Aguiar. Ela ficou quase um mês internada. Carlão nunca mais ficou de conversinhas com vizinhas.
Creuza, com cicatrizes horríveis abaixo da barriga, deixou de exercer a velha profissão. Passou a ser a gerente do bordel da área do Mangue, antigo ponto dos prostíbulos da ZBM, antes da chegada do metrô, na Avenida Presidente Vargas . E viveram felizes para sempre.