No início de abril, o presidente Jair Bolsonaro assinou um projeto de lei que pretende regulamentar a educação domiciliar no Brasil - Reprodução
No início de abril, o presidente Jair Bolsonaro assinou um projeto de lei que pretende regulamentar a educação domiciliar no BrasilReprodução
Por O Dia

Se tem uma coisa que não se pode dizer sobre a situação atual da educação no Brasil é que falta polêmica. Toda semana, parece haver um novo acontecimento que provoca inflamadas discussões. No início de abril, o presidente Jair Bolsonaro assinou um projeto de lei que pretende regulamentar a educação domiciliar no Brasil. Trata-se de uma modalidade de ensino que já existe em outros países, como nos Estados Unidos, há algum tempo e, nela, pais ou tutores são responsáveis por todo processo de aprendizagem das crianças, incluindo, é claro, o ensino dos conteúdos previstos.

Para a aprovação dessa lei, existe, antes das discussões mais opinativas, uma questão legal. Acontece que a nossa Constituição trata a educação como “um direito de todos e dever do Estado e da família”, com o objetivo de preparar o aprendiz para o seu pleno desenvolvimento, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Além disso, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê que os menores de idade tenham acesso à escola pública e gratuita próxima à sua residência. Nesse sentido, educar crianças em casa e deixar de matricula-las na escola poderia ser interpretado como abandono intelectual. Seria preciso mudar o artigo para que essa lei entrasse em vigor.

No entanto, a discussão vai muito, muito além da questão legal. Considerar uma prática porque ela é um case de sucesso em outros lugares é possível, mas é preciso atentar para o risco de apenas tentar copiar sem considerar de fato a realidade do Brasil. Se implementar boas práticas fosse simples – especialmente em educação – todos os países seriam a Finlândia. E em um país desigual como o nosso, o ensino domiciliar, no lugar de ampliar o acesso aos estudos, iria, na verdade restringi-lo, considerando nossa máquina pública extremamente burocratizada e carente de processos bons e bem definidos. É quase inocente pensar que se teria um controle, por meio do MEC, do desenvolvimento de cada jovem que estuda em casa. Aliás, a Base Nacional Comum Curricular, apoiada em outros documentos de educação, prevê quais os conteúdos, habilidades e competências essenciais a serem trabalhados em cada estágio do desenvolvimento. Os pais iriam preparar, pessoalmente, o currículo do estudo dos filhos? Eles sabem, necessariamente, fazer isso? Foram preparados para tal ação? Quem iria efetivamente validar o currículo previsto e garantir o seu cumprimento? Assim como em todas as áreas, profissionais são profissionais porque estudaram e se prepararam para aquilo. Eu não posso, por exemplo, performar uma cirurgia, uma vez que não estudei Medicina. Não posso construir um prédio, dado que não fiz Engenharia. Por que deveria ser diferente com educação?

Além disso, pensar na educação de crianças e adolescentes apenas como o ensino de conteúdos é absolutamente restritivo e arcaico. Há toda uma parte de socialização, convívio com outras pessoas e estímulo ao trabalho em equipe, tão importantes para cidadania e futuro exercício no mercado de trabalho, que é a escola que pode proporcionar nessa fase da vida. Os defensores da proposta defendem que outros tipos de socialização são possíveis, como em cursos de inglês e praças nas cidades, como se todos os nossos jovens tivessem possibilidade de pagar curso de inglês e todos os nossos espaços fossem ideais e preparados.

O apoio ao ensino domiciliar seria um pouco mais tragável se os motivos fossem menos escusos. Se se pensasse de fato na melhor forma de um aluno aprender. Porém, quando a prioridade dos governantes apoiadores dessa causa é “acabar com o marxismo nas escolas”, como se esse problema, ainda que fosse real, fosse o pior que nós temos, percebemos que estamos muito longe de alavancar qualquer possibilidade de melhoria real nosso quadro.

Carolina Pavanelli trabalha com educação há dez anos e dá aulas de Redação com ênfase na produção de textos nos moldes dos vestibulares e ENEM. Além disso, é diretora pedagógica de uma Plataforma de Ensino, produzindo materiais didáticos e capacitação de professores no Brasil. Ela escreve às quartas-feiras em O DIA. Seu Instagram é @_carolinapavanelli

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