O LANCE! teve acesso aos documentos do caso. Em seu recurso, o Flamengo colocou que caso a pensão não seja derrubada na totalidade, “que a mesma seja reformada para que se reduza o valor arbitrado para 2/3 do salário-mínimo, bem como que tal verba não seja deferida às famílias que já firmaram acordo com o clube”. “É certo que o valor arbitrado pela decisão agravada não é sequer razoável e não encontra amparo legal”, argumentou o Rubro-Negro em trecho. Nos pedidos finais do agravo de instrumento, entretanto, este ponto não é descrito pelo clube.
Uma linha do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, também foi citada pelo Flamengo ao argumentar: “Neste ponto, cabe esclarecer que o valor atualmente pago pelo Flamengo é bem superior àquele aplicado pelo STJ, que tem entendimento no sentido de que, em caso de óbito de menor que não exercia atividade remunerada, a indenização fixada a título de pensão mensal deve corresponder a 2/3 do salário mínimo desde a data do óbito, até 25 anos e, a partir daí, a 1/3 do piso salarial até a data em que a vítima completaria 65 anos”. No mérito do recurso, o clube reiterou dizendo que “caso ultrapassada a nulidade da decisão, a determinação de pagamento de pensão seja limitada apenas às vítimas ou suas famílias que não fizeram acordo”.
ENTIDADES CONTRA REDUÇÃO A DOIS TERÇOS
Ministério Público rebate, e Defensoria Pública diz ser ‘risível a pretensão’
Ao argumentar, a DPRJ afirmou que chega a ser “risível a pretensão recursal de fixação de pensão mensal equivalente a 2/3 do salário mínimo, sob a alegação de que os jovens não trabalhavam”. “A morte dos jovens lhes ceifou a possibilidade de formalização de contrato profissional e percepção de salários, sendo este o motivo da exigibilidade da pensão fixada”, declarou. Seguiu dizendo a entidade: "Quanto ao fato de que o valor arbitrado é supostamente superior ao que os atletas recebiam, pretendendo o agravante a fixação de valor correspondente a 2/3 do salário mínimo, também não prospera a pretensão recursal. Inicialmente, verifica-se que ao proferir a decisão agravada o juiz a quo levou em conta o fato de que as vítimas eram jovens, em início de carreira, e não auferiam renda compatível com a dos atletas profissionais, frisando que não havia elementos para fixar os alimentos de forma definitiva".
A DPRJ elencou os pedidos do Flamengo. Diz o trecho sobre as alegações do clube: "(i) não houve requerimento de pagamento de pensão mensal aos autores, sendo a decisão extra petita; (ii) desconsiderou-se a existência de acordo em relação a algumas famílias, que já recebem mensalmente o montante de R$5.000,00; (iii) o valor fixado na decisão não é razoável e não tem amparo legal, devendo ser minorado para 2/3 do salário mínimo; (iv) a ordem de apresentação de contratos assinados entre o clube e seus jogadores profissionais e de base viola a cláusula de sigilo, que atingirá quem não é parte nessa ação nem será por ela afetado; (v) que o valor da indenização eventualmente devido somente será fixado por ocasião da liquidação de sentença, quando será realizada a quantificação de eventuais indenizações individuais".
Seguiu o MPRJ: "Tal análise das circunstâncias concretas do caso e da situação especial daqueles jovens atletas é fundamental por conta do lamentável equívoco jurídico do Flamengo de desvalorizar-lhes a capacidade após suas mortes. Equivocadamente, o réu tem alegado que os jovens adolescentes mortos não se tornariam atletas profissionais e que o valor a ser pago a título de pensionamento deve ser apenas e tão-somente o correspondente a dois terços do salário mínimo".
Lembrou o MPRJ em seus argumentos que "os dez jovens atletas mortos já tinham currículos impressionantes para adolescentes ainda sem idade para a assinatura de um contrato profissional, como amplamente divulgado pelos principais veículos da imprensa nacional e internacional após o incêndio no CT George Helal". A entidade elencou os currículos das vítimas fatais do incêndio do dia 8 de fevereiro de 2019:
"• Arthur Vinicius Silva – Zagueiro, natural de Volta Redonda, Menino do Ninho desde 2017, com período de convocação para treinos pela Seleção Brasileira Sub-15 em 2018;
• Athila Paixão – Atacante, natural de Lagarto, Sergipe, Menino do Ninho desde abril de 2018, foi destaque na Copa Zico de 2018;
• Bernardo Pisetta – Goleiro, natural de Indaial, Santa Catarina, Menino do Ninho desde agosto de 2018, ex-Guarani de Brusque, ex-Trieste e ex-Athletico Paranaense, onde foi campeão estadual e goleiro menos vazado da competição;
• Christian Esmério – Goleiro, natural do Rio de Janeiro, regularmente convocado para a Seleção Brasileira nas categorias de base Sub-15 e Sub-17 e destaque na Copa Nike Sub-15 de 2018, em que defendeu pênaltis na semifinal e na final ajudando o Flamengo a ser campeão da competição;
• Gedson Santos, o “Gedinho” – Meia, natural de Itararé, São Paulo, Menino do Ninho a partir de 2019, ex-Trieste e Athletico Paranaense, onde foi Campeão Sub-15 da Taça Curitiba em 2017;
• Jorge Eduardo – Volante, natural de Além Paraíba, Minas Gerais, Menino do Ninho desde 2016, era o Capitão da Equipe Sub-15 do Flamengo, Campeão Estadual Sub-15 e Campeão da Copa Nike em 2018;
• Pablo Henrique – Zagueiro, natural de Oliveira, Minas Gerais, Menino do Ninho desde agosto de 2018, ex-Atlético Mineiro e Escolinha da Inter de Milão no Brasil;
• Rykelmo Viana, “Bolívia” – Volante, natural de Limeira, São Paulo, Menino do Ninho desde 2016, era o Capitão da Equipe Sub-17 do Flamengo, ex-Portuguesa Santista, Campeão Estadual em 2018;
• Samuel Thomas Rosa – Lateral-Direito, natural de São João de Meriti, Campeão Estadual Sub-15, Campeão da Copa Nike e Vice-Campeão da Copa Votorantim;
• Vitor Isaías – Atacante, natural de Florianópolis, Santa Catarina, Menino do Ninho desde agosto de 2018, ex-Figueirense, Trieste e Athletico Paranaense, tendo sido Campeão e Artilheiro da Copa Catarinense Sub-11 em 2014 e Artilheiro do Torneio ES-CUP em 2018."
O LANCE! entrou em contato com o Flamengo questionando o ponto pleiteado para redução da pensão a dois terços do mínimo. Inicialmente, por assessoria, o clube informou que não iria se manifestar por ser um processo em andamento, como de praxe de acordo com a política interna. Posteriormente, Antonio Panza, diretor jurídico do Fla, falou com a reportagem e afirmou que a questão dos dois terços não é um pedido do clube, e sim uma argumentação. Ao ser questionado sobre o fato do MPRJ e da DPRJ terem rebatido esta questão, colocando como se tivesse sido um pedido do clube, Panza afirmou que trata-se de praxe as entidades rebaterem até as argumentações nas ações.
No último dia 1º, a "Fla TV", canal oficial do clube no Youtube, divulgou um vídeo de aproximadamente 30 minutos com os dirigentes do Flamengo respondendo questões pré-gravadas sobre os valores dos acordos com as famílias das vítimas do incêndio. Um dos pontos levantados foi a questão da interrogação da torcida. Há muitos comentários em que o clube gasta dinheiro somente com os jogadores e não procura indenizar as famílias das vítimas. O vice-presidente geral e de procuradoria geral do Flamengo, Rodrigo Dunshee, negou esta postura do clube na oportunidade.
"Eu tenho notado que essa é uma indagação que incomoda o torcedor rubro-negro. Mas isso é mais uma mentira. É uma picuinha de adversários ou de parte da mídia. O Flamengo fez uma oferta de pagamento altíssima. E essa oferta está à disposição de quem queira fazer o acordo. Não há nenhuma ordem judicial para que o Flamengo pague nenhum valor nesse momento. O único valor que o Flamengo tem que pagar são os R$ 10 mil por mês, e estamos pagando. Então, algumas pessoas olham a questão sob o aspecto do copo vazio. Quando se tem de olhar o comportamento do Flamengo nesses 11 meses por outro ângulo. O Flamengo se colocou totalmente à disposição das famílias, o Flamengo ofereceu valores bem altos comparados ao que se paga no Brasil, o Flamengo está à disposição para fazer esses pagamentos no dia seguinte que as famílias quiserem, o Flamengo não está se recusando a fazer os acordos. Então, a torcida tem de ter consciência de que o Flamengo não está se furtando da sua responsabilidade", afirmou.