Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por O Dia
Rio - Ele não entende nada de mulher. Fala como se entendesse. Em sua tosca narrativa, elas se engalfinham para estar com ele. Mentira.

Para minha tristeza, ele é conhecido de meu marido. E, vez ou outra, vem a nossa casa. Não gosto do jeito que ele me olha. Nem do jeito que ele se esconde do meu olhar. Reclamei com meu marido que ouviu, mas apenas fez que concordou. Não prossegui dizendo. Tenho amigas que talvez ele não aprecie tanto. O tempo foi me ensinando a compreender escolhas e a não invadir espaços. E a respeitar o tempo da compreensão.

Mas, desta vez, ele exagerou. E não venham me justificar com a bebida ou com a decepção, enquanto o time deles perdia um jogo. As palavras expressam sentimentos. E, se só alcançam vida quando há um incentivo, nem por isso deixam de causar dor. E nem por isso deixam de expressar ausências de pensamentos.

Ronaldo, o conhecido de meu marido, o que tem todas as mulheres de mundo, soltou uma brincadeira típica dos que não têm polidez. Disse ao meu marido que, se ele quisesse, apresentaria duas cujas idades somadas dariam a minha. Ele não sabia que eu estava em casa. Não precisava saber. É preciso fazer o correto sempre. Com ou sem testemunhas.

Meu marido foi sucinto, "Amo minha mulher, estou feliz com ela". Ele prosseguiu sugerindo que não era uma troca. Que era uma brincadeira apenas. E, não satisfeito, coroou: “Bonita, sua mulher não é, mas parece muito prestativa.” Meu marido nada disse, pelo menos que eu tivesse ouvido.

Ronaldo é um homem que jamais usou o coração para o amor. Por isso não entende de mulheres, nem de belezas. Sou feia, então? Para quem? Quem são os meus julgadores?

Quando se foram, meu marido viu que eu estava no quarto. Preferi dizer nada. O cansaço daquela noite seria suficiente para me sucumbir ao sono. E a oração feita um pouco antes me evitaria pesadelos. Se eu pudesse, limparia o mundo das grosserias. E dos risos que se embalam dessas grosserias.

Uma vez, meu marido disse que Ronaldo era um brincalhão. Eu disse, sem explicar, que era incapaz de ouvir seu sorriso. Meu marido entendeu e, desde então, falou nada sobre ele.

Não gosto de gracejos de pessoas vulgares. Cultuo a polidez como quem acredita no belo, na elegância. Eu sabia que sobreviveria àquela conversa se fechasse a porta. E se ficasse apenas com meu marido.

Ele voltou do banho e me pegou folheando os meus pensamentos. Quis fazer amor. Quis com tamanho calor que acabou por me aquecer. E, em poucos instantes, éramos um. E o resto já não perturbava os meus pensamentos.

Deitamos depois, de mãos dadas, e nos olhamos em silêncio. A luz do luar quebrava o escuro do quarto. A luz do luar iluminava o mundo. O nosso mundo. E ele me olhava. E me fazia linda. Um perfume vinha dos seus pensamentos. Tantos anos juntos. E não esfriamos. Filhos nasceram e cresceram e não esfriamos. Penso se devo dizer sobre Ronaldo. A cama estava tão limpa que achei desnecessário. Descansou ele o seu dia em mim quando adormeceu em meu seio.

Tenho apreço pela palavra gratidão. E tenho o hábito de cultivar a liberdade de só me enamorar por almas puras. Seja o meu amor, sejam os meus amigos. Os que têm alma arranhada me incomodam apenas pelo tempo efêmero de uns instantes desperdiçados. Depois, ligo outros pensamentos e corrijo o rumo do dia.

O sono não se intimidou e chegou quando deveria. Amanhã, acordarei mais uma vez disposta. E certa de que meu marido terá sabedoria para se afastar de quem causa machucaduras em quem ele ama. 

Gabriel Chalita é professor e escritor