The Pintolandia shelter, in Boa Vista, accommodate indigenous families with hammocks, so they can feel a little
The Pintolandia shelter, in Boa Vista, accommodate indigenous families with hammocks, so they can feel a little "at home".Victoria Servilhano/MSF
Por O Dia
Rio - O êxodo de venezuelanos que fogem da crise vivida por seu país é neste momento o segundo maior movimento migratório em curso em todo o mundo. Desde 2016, mais de 4 milhões de pessoas já deixaram a Venezuela, e a expectativa é que a cifra ultrapasse os 5 milhões até o final deste ano.

Esta é uma realidade sem precedentes na América do Sul. O fluxo de migrantes e solicitantes de asilo só é menor do que o volume de refugiados e deslocados gerado pelo conflito sírio. Com tamanha dimensão, é inevitável que a crise venezuelana afete vários países da região, e o Brasil não é exceção. Estima-se que quase 200 mil venezuelanos já tenham cruzado a fronteira rumo ao Brasil, e Roraima é o Estado que concentra o maior número deles. Dados oficiais indicam que pelo menos 40 mil dos 350 mil habitantes da capital, Boa Vista, sejam venezuelanos.

Médicos Sem Fronteiras (MSF) está presente em Roraima, em linha com as atividades de saúde relacionadas a movimentos migratórios que realiza em todo o mundo: MSF efetua ações de busca e salvamento no mar Mediterrâneo, onde milhares de pessoas têm se lançado em botes precários na esperança de uma vida melhor na Europa; atua na assistência aos migrantes centro-americanos que enfrentam violência na tentativa de chegar aos EUA; nos campos de refugiados em diversos países do Oriente Médio que abrigam sírios que deixaram seu país por causa da guerra; entre os mais de 1 milhão de membros da etnia rohingya que vivem hoje no maior campo de refugiados do mundo, em Bangladesh. E em muitos outros lugares.

MSF estabeleceu um projeto na capital de Roraima, Boa Vista, para colaborar com o atendimento de saúde à população. O trabalho começou no final do ano passado e hoje engloba ações de promoção de saúde, atendimentos de saúde mental, consultas médicas e fornecimento de suprimentos para unidades de saúde locais. O reforço da estrutura de atendimento em Roraima foi motivado pela chegada dos venezuelanos, mas tem auxiliado também nos cuidados com os brasileiros.

As necessidades são muitas. Apenas uma pequena parte dos migrantes consegue vaga em um dos 13 abrigos existentes em Roraima. Nestes locais, apesar das dificuldades, as condições são razoáveis, mas as instalações têm capacidade total para pouco mais de 6 mil pessoas. Dezenas de milhares estão fora dos abrigos, em habitações precárias ou simplesmente vivendo nas ruas.

O desafio para que essas pessoas possam ter acesso adequado a cuidados de saúde é imenso. Elas chegaram ao estado menos desenvolvido do Brasil, com um sistema de saúde sobrecarregado. A maioria dos migrantes tem a esperança de conseguir se estabelecer em outras regiões do Brasil, com mais oportunidades. Muitos conseguem sair de Roraima ao ingressar no programa oficial de interiorização.

Para outros, porém, esta possibilidade não existe: migrantes de origem indígena não podem solicitar seu ingresso no programa de interiorização. E diferentemente dos outros migrantes, os indígenas vivem em abrigos com condições sanitárias precárias. Eles sofrem com condições de alojamento piores, e a falta de perspectivas pode ter impactos sobre sua saúde física e mental.

Cerca de 600 venezuelanos continuam cruzando diariamente a fronteira rumo ao Brasil em Roraima, o que indica que a crise e as necessidades humanitárias desta população devem continuar presentes. MSF continua trabalhando para atender estas pessoas e aliviar a sobrecarga sobre o sistema de saúde local.
Paulo Braga é coordenador de imprensa de Médicos Sem Fronteiras