André Gabeh - Luciano Belford/Agência O Dia
André GabehLuciano Belford/Agência O Dia
Por André Gabeh
Rio - Peita faz tudo com palha, bambu, vime, junco, rattan, rabo de elefante, crina de boi-bumbá e arame.
Peita é uma grande artesã e baloeira. É formada em auxiliar de enfermagem, mas foi exonerada do IASERJ após jogar um saco de xixi na cabeça de uma faxineira que a chamara de fuscão preto. Peita era lésbica, negra e empoderada antes de todo mundo se empoderar. Fuscão preto? Foi motivo de porradaria?

Tava errada? Não!

Perdeu o emprego, mas não baixou a crista.

Peita também é apontadora de jogo de bicho e toca tantan no VIRILHA MOLE, grupo de pagode erótico contratado de algumas casas de swing da Zona Norte do Rio e da Baixada Fluminense.

Deumólila, minha amiga equivocada, ficou fascinada com o bequinho onde Peita anotava a fézinha dos moradores de Engenheiro Leal. Achou bucólica a decoração que misturava copo d’água com olho de boi, estátuas de São Jorge, Nossa Senhora Aparecida e Caboclo Tupinambá e calendário de entregador de gás com fotos de cachorro, junto de uma vela de sete dias, charutos e uma tacinha redonda cheia de um líquido não identificado. Peita se acendeu toda, fez até pose de modelo de anúncio de cueca saco de batata pra jogar uma seduzência pra cima de Deumólica.

- É aqui que eu vou comprar meu babalaô?

Peita levou um susto. Ficou tão arregalada que parecia que tinha levado uma picada de marimbondo na tireoide.

- Se acalma, Peita. Ela quer um balaio e confunde as palavras toda hora.
- Mas gente! Qual o problema de se comprar um babalaô? Minha mãe comprava babalaôs! Tenho certeza.

Lembro dela dizer que não era ninguém sem os babalaôs dela. - Deumólila estava muito confusa.

- Formosidade minha, a escravatura já devia ter acabado na sua infância e é meio difícil que sua pessoa tenha vivido a fase de compra e venda de humanos aqui no Brasil. A não ser que sejas uma vampirona chupadora de sangue e já tenha pra base de quatrocentos anos. Peita riu e roncava no meio da risada. Deumólila também sorriu e negou a vampirosidade. Peita ficou decepcionada.

- Uma pena a senhora não ser chegada a um Draculismo, porque eu sou todinha de babaixá e de balacubaca.

- Como? - Eu e Demólila perguntamos em uníssono.
- Pepepeperê peperepê pepê perê pepê.
- Hã? - De novo nós dois em coro.

Peita continuou, dessa vez cantando:

- E aí? Chupa toda! Toda! E aí? Chupa toda! Eu disse toda!

Fizemos cara de ganzá amassado.

Deumólila retomou sua dúvida com uma pergunta insólita:

- Qual era o nome daqueles enfeites coloridos da Carmem Miranda.
- Balangandãs, minha cremosa. - Peita respondeu com carinha de Diogo Nogueira pedindo chope.
- Isso. Minha mãe tinha isso. Balangandãs.

Respiramos aliviados.

A conversa foi interrompida pela entrada turbulenta de Venezuellen no recinto. Nos cumprimentou rapidamente e começou seu jogo:

- Peita, sonhei que o Luan Santana entrava na minha casa e escovava os dentes com meu shampoo anticaspa. Vou apostar na vaca.
- Na vaca? - Perguntei incrédulo.
- Sim, vaca. Meu neto se chama Luan, e eu amo meu neto e também amo vacas. E Luanzinho tem umas quizilas na cabeça que parecem caspa e tem a carinha manchada que nem uma vaca. Jogo na vaca.

Concordei com tudo, mas fiquei impressionado por Venê já ter netos.

- Já tenho três netos: Um casal de um dos gêmeos, e Luan, que é filho de Feia.

Peita cercou todas as possibilidades da aposta: grupo, dezena, centena, milhar... E ainda sugeriu que ela jogasse no coelho também, porque o único ovo de páscoa que ela ganhou esse ano foi um que veio com um bonequinho do Luan Santana de brinde. Venezuellen acatou.

Nos despedimos de Venê, e Peita foi pegar um dos balaios que tinha pronto em sua kombi azul calcinha.

Quando estava saindo, foi interpelada na porta por Jorge de Iansã, que adorou minha amiga cheia de miçangas e figurino aleatório.

- Nossa! Uma legítima filha de Oxum!

Deumólila contestou, disse que era de Iansã. Vira na internet.

- Oxum, minha filha. Talvez Oxum Apará.
- Ah, queria Iansã.
- Mas é Oxum!
- Como você sabe?
- Sou um babalaô.
- Finalmente! Quero!

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