Afetivamente, recordo que uma das minhas imagens mais fortes desse dia é a dos meus pais assistindo à televisão na sala e vendo as celebridades se apresentarem em quadros de dançaArte: Paulo Márcio

O papo começou na cozinha, logo no domingo pela manhã, recheado por memórias afetivas. Meu namorado e sua irmã trouxeram à mesa do café as lembranças da avó que tinha o dom de alimentar. É assim que eles me falam sobre essa mulher que fazia a mágica de caberem 10 pessoas em uma mesa de seis lugares. O tradicional almoço de domingo, aliás, geralmente tinha lasanha servida em duas travessas: uma de queijo com presunto e outra à bolonhesa. E ainda frango e farofa no mesmo dia. As especialidades de sobremesas eram pudim de leite — que contei ser o doce preferido do meu pai — e aquela gelatina colorida, em que vários pacotinhos de diferentes tons são preparados e, depois de prontos, cortados e entremeados com creme de leite. Aliás, o que me falta em habilidade na cozinha eu compenso saboreando recordações.
Inclusive, acredito que muitos de nós — só para não garantir que todos são assim — tenham uma lembrança de domingo. Isso até me fez pensar como outros dias podem ser rotineiros. Mas os domingos podem despertar algo de diferente. Não é à toa que, quando a psicanalista Ana Suy abre sua tradicional caixinha dominical de perguntas nos Stories do Instagram, muita gente fala sobre um sentimento específico com esse dia. Nele cabem tédio, nostalgia, alegria, encontro, tristeza... E a melancolia de um passado que só volta na memória.
Coloquialmente, incluímos o domingo no fim de semana, mesmo ele sendo o primeiro de um ciclo de sete dias. Talvez ele compreenda tantas emoções por não sabermos se é chegada ou partida. Talvez por ser um dia de encontro e também de solidão, ele tenha virado verso de tantas músicas.
Afinal, já dizia Dicró que domingo de sol é para levar a família à Praia de Ramos. Tim Maia e Gal Costa também tornaram sucesso a letra de Michael Sulivan e Paulo Massadas que desejava "ver a vida acontecer como um dia de domingo". Mas aí chegaram os Titãs para nos lembrar que "domingo eu quero ver o domingo passar". Confesso que também já quis voltar para a rotina de uma segunda-feira e fugir dos pensamentos dominicais.
Afetivamente, recordo que uma das minhas imagens mais fortes desse dia é a dos meus pais assistindo à televisão na sala e vendo as celebridades se apresentarem em quadros de dança. Eles davam seus palpites, acreditando que uma exibição merecia nota 10, mas logo depois constatavam que um jurado havia tirado décimos do casal por um quesito técnico. Aliás, sinto que já escrevi sobre essa memória em algum momento, mas sou assumidamente repetitiva.
Sim, há algo de reflexivo no domingo. Suspeito que, mesmo quem trabalha nesse dia, consegue viver algo parecido em outro momento da semana. Há quem fuja do domingo e quem o procure. Há quem descanse, lave roupa e coloque as coisas da casa em dia — e o lar interior acaba pedindo atenção. Há quem leve as crianças ao parque, ao cinema, ao circo e quem não saia e prefira assistir a uma série. Há quem o exalte e quem desgoste dele.
Mas domingo também pode ser o momento ideal para ver a noite cair no quintal com uma música instrumental ao fundo enquanto se escreve uma crônica... dominical! Esta, aliás, era eu há uma semana. Talvez por ser também um dia introspectivo, ele possa ser também produtivo para mim. Quais domingos, afinal, vivem no nosso coração?