Evolução humana: encontrar novas formas para sobreviver - Jornal da USP
Evolução humana: encontrar novas formas para sobreviverJornal da USP
Por Thiago Gomide
A pandemia só deixou claro um movimento que já estava posto: precisamos desaprender muito do que estava cristalizado nas nossas vidas. E isso vale para o trabalho, mas também para as relações com amigos, romances, com a cidade. Se antes fórmulas podiam ser repetidas, em alguns casos com certo sucesso, agora teremos que reinventar, nos reinventar, nos permitir a perguntar repetidamente “isso faz sentido?”, “como pode ser melhor?”ou até “estou vivendo bem?”.

O professor que entra para dar a mesma aula, com a mesma narrativa, está fadado ao insucesso. Seja porque a plateia muda, e com ela os olhares, seja porque as plataformas de ensino mudaram e mudarão. Raul Seixas e Paulo Coelho escreveram “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que (tsc) ter a mesma opinião formada sobre tudo”. A metamorfose que obriga o profissional de Educação sair do casulo é a mesma que está pondo contra a parede da realidade os mais diferentes profissionais.

Na pracinha em frente ao apartamento onde moro há duas barraquinhas de sanduíches. A primeira é do estilo gourmet e a segunda especializada em cachorro-quente e x-burguer mais em conta. Consumo nas duas. Agradar os vizinhos é sempre bom. Mas me intrigava o motivo da popular não investir na modalidade premium, já que a vizinhança gosta desse tipo de produto. “É que não sei fazer essa carne, desse jeito”, disse-me certa vez o chapeiro. Há uns dias, morto de cansado do trabalho, parei para comer um sanduba e estava lá a nova opção. “Aprendi”, disse. Testado e aprovado, diga-se de passagem.

Saindo das excepcionalidades, porque aí não tem jeito mesmo, vale entendermos se faz sentido estarmos onde estamos, do jeito que estamos, com as pessoas que estamos. Com certeza esse terremoto de COVID-19 é encarado com mais força dependendo de quem está ao nosso lado, de como encontramos espaços para respirar e seguir. “Comecei a correr nessa pandemia. Nunca tinha feito isso. Não achava tempo. Foi assim que encontrei o equilíbrio”, contou-me um amigo da época de escola. Tal qual tantos outros, ele se reinventou, reinventou a maneira de interagir com a cidade, de se olhar na maré de incertezas que nos assola. Fotos no Instagram dão molho especial ao novo homem.

A pedido, recebi para uma entrevista de emprego um profissional famoso na publicidade, mas sem emprego há alguns duros meses. Com o relógio sempre me cobrando a fatura, fui direto ao ponto, expondo as fragilidades, mas a missão do desafio de então. “O objetivo é incrível, mas a grana é abaixo do que penso pra mim”, retrucou. Quis saber quanto menos. “15% a menos”, respondeu levantando a sobrancelha. Isso foi em meados de 2020 e até hoje está procurando a colocação perfeita.

Precisamos desaprender as fórmulas que deram certo em algum momento ou até mesmo por muito tempo. O naturalista britânico Charles Darwin escreveu que só sobrevive quem se adapta. Mais certo, impossível. A frase “pensar fora da caixinha” deixou de ser usada por coaches baratos para ser real, viva. Que 2021 seja o ano de deixarmos de ter tantas certezas, de acharmos que somos os certos em tudo, de que é possível vencer sozinho, de que não podemos mudar, de que “se estiver bom pra mim, beleza”. Fazer do limão uma limonada? Na-na-ni-na-não. Fazer do limão um limoeiro. Um belo limoeiro.