Por Luarlindo Ernesto
O som característico de tiros de armas de guerra me deixou apreensivo. Estava passando pela Avenida Niemeyer, ali nas proximidades do Vidigal, indo em direção a São Conrado. A memória deu uma reviravolta e, em décimos de segundos, passou o filme da minha vida morando em comunidades violentas no Rio de Janeiro.
A ideia, e o bom senso, quando o barulho continuava a ferir os tímpanos, era de sair o mais rápido possível da área. Enquanto pisava fundo no acelerador, o filme continuava a passar na tela panorâmica, com som envolvente, na minha cabeça. Já bem distante, chegando no antigo motel Vip's, a adrenalina - ou seria medo ? - diminuiu e consegui dividir os momentos vividos nas várias favelas que morei, durante reportagens, separando os bons, ruins, apavorantes e até situações hilárias dessa vida quase errante - ou seria o lado profissional ?
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Rocinha, morei 40 dias. Borel, 28, Dona Marta, 18, em Duque de Caxias, durante as investigações ao roubo do trem pagador, foram mais de 30, - só em áreas conflagradas. Ainda passei pela época do Tenório Cavalcante, o Homem da Capa Preta e da Lurdinha, sua metralhadora inseparável. E outras tantas mais, por aí. Sem contar na Bolívia, Venezuela, Paraguai... Ih, tem a guerra civil na República Dominicana. Lá, foram mortos quatro brasileiros da tropa da OEA. Pouco gente lembra ou ouviu falar. Pudera, foi em 1965.

O som dos disparos é inconfundível e tem DNA. Os primeiros que ouvi na vida foi quando estava no Exército, em 1962, no 1º Batalhão de Carros de Combate, na época, ali em Bonsucesso, na Avenida Brasil. Tiros durante instrução com fuzil - "modernos Mauser, modelo 1908 -, metralhadora INA, calibre 45, pistolas Colt, do mesmo calibre, além das metralhadoras antiaéreas (.30 e .50) dos carros de combate Sherman, da 2ª Guerra Mundial, e os dos que vinham dos canhões.
O cara aprende a conhecer cada arma pelo barulho. Eu aprendi rápido. Os sons que acabara de ouvir, na passagem pelo Vidigal, eram de fuzil e de pistolas. Bom lembrar que, cada arma tem alcance específico. Na dúvida, fuja e procure um bom e resistente abrigo. Ah, já vivi confrontos armados entre bandidos e polícia - um deles, no Alemão, 14 mortos.
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Na Baixada, perdi a conta. No Juramento, em Vicente de Carvalho, durante o "reinado" do falecido Escadinha, assisti a vários. Em em dos tiroteios, eu estava no alto do morro, preparando uma jardineira, em fogueira improvisada, usando lata de 20 quilos, pertinho de uma birosca, enquanto colhia detalhes de matéria sobre o tráfico de drogas no local. Fazer o que? Correr em direção à polícia, que subia, ou fugir com os traficantes, morro acima?
Nada disso. Continuei a cozinhar. Engraçado ? Vai lá viver o dia a dia. No Jacarezinho, na era do traficante Meio Quilo, encarei outras dezenas. Nova Iguaçu, na época da ditadura, encarei oito mortos. Um eu vi morrer no acostamento da Via Dutra. No Jardim Catarina, logo ali em São Gonçalo, vivi época que até os ônibus, uns poucos, que ainda circulavam pelo local, tinham marcas de balas. Pelo que sei, até hoje lá continua "animado".
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Como esquecer da Maré, Cavalo de Aço, Fumacê, Providência, Cantagalo, Tijuquinha, Cesarão, Muzema, Rio das Pedras, Dendê... Caramba, vai faltar espaço. Mas, preciso falar de uma arma diferente que cheguei a manusear, e que foi apreendida pela polícia: uma muleta que dispara munição calibre 38. Uma sugestão, que ninguém pediu: construir casas blindadas, evitando as balas perdidas que nos matam no aconchego do lar.
Durante a Guerra Fria, anos 1950 e 1960, os norte-americanos tinham hábito de construir "bunkers" subterrâneos na tentativa de se protegerem de ataques nucleares. Ah, essa tenho que contar: em Angra dos Reis, em uma comunidade, na boca de fumo durante uma rápida conversa com o traficante-mor, ofereci um dos meus cigarros. O traficante respondeu: "Esse é muito forte. Prefiro usar os que vendo".
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