Por Luarlindo Ernesto
Conheci a medicina preventiva em 1960. Foi o Heraldo que me mostrou a novidade. Ele, com toda a família, recém chegado de Pernambuco, trouxe um costume do povo de Buenos Aires, um município da Zona da Mata pernambucana, recém desmatada para o plantio da cana de açúcar. A cana abastecia os engenhos e, de quebra, os alambiques.
O lugarejo que a família dele morava, Chã das Mulatas, era só de lavradores. Ah, tem o Riacho Morojó, para refrescar a terra e limpar o suor. Mas o povo, além de fazer uma aguardente de primeira qualidade, cultivou a mania, saudável para eles, de adicionar ervas e outros ingredientes que afastavam as doenças.
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Vou tentar lembrar: Pata de Vaca (para a diabetes), Canela de Velho (anti-inflamatório e purificador do sangue), Carqueja (para diarreia, gripe e reumatismo), Boldo (para o fígado), Cidreira (regulador de regra da mulher e calmante), Mastruz (mata vermes intestinais e fortalece o sistema imunológico). Tinha até para curar o panarício e acabar com pedras nos rins. E outros tantos males que afligem a humanidade.

Heraldo, os pais e os seis irmãos e duas irmãs, desembarcaram de um "pau de arara" no Campo de São Cristóvão e conseguiram morar em porão de casarão na Rua Antunes Maciel, alí do lado do portão principal da Quinta da Boa Vista. Todos começaram a procurar trabalho e a vender a aguardente de Buenos Aires com as ervas em fusão. Em pouco tempo, já havia uma freguesia fiel das bebidas coloridas. Logo o lugarejo Chã das Mulatas virou nome da bebida. E o nome do município, deu um charme de importado ao produto e o Chã virou Chá das Mulatas, diretamente de Buenos Aires. Um sucesso de vendas !
A família do Heraldo subiu os degraus da hierarquia dessa vida proletária. Saiu do porão e foi morar em um sobrado de quatro quartos e duas salas, na Rua Figueira de Melo, ali pertinho do clube São Cristóvão (onde Ronaldo Fenômeno começou a carreira). Heraldo, que era ajudante de caminhão, foi promovido a chofer e, dois anos depois, comprou um caminhão. Depois, comprou uma
carreta. Aí, melhorou para trazer insumos para o Sul Maravilha, tipo "do produtor ao consumidor, sem intermediários". Formidável.
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Da Rapaziada, aqui do Rio de Janeiro, a do início da vida carioca de Heraldo, somente Carlinhos Melô (de melou) era o único que não bebia a mistura milagrosa. Carlinhos, hoje, é oficial da FAB, reformado, e mora no interior de São Paulo. Até hoje não é chegado ao triste vício da aguardente, nem mesmo as abençoadas. Outros amigos de infância, pelo que sei, continuam vivos, sem o vírus da moda. Viraram comerciantes, funcionários públicos, tem um industrial, um outro chegou a brilha como jogador de futebol. O mais preguiçoso é advogado. Um único cantor. Nós usamos a aguardente abençoada de Buenos Aires.
Bem, Heraldo casou, teve filhos, custeou faculdades deles e está vivendo de rendas. Tem um sítio lá em Buenos Aires, com cabras, gado, perus, faisão e ainda tem a plantação que mantém a propriedade. A cana que plantou é a que ainda faz seu açúcar e sua bebida milagrosa . Sempre que tinha saudades da infância de Chã de Mulatas, pegava um avião até Recife, alugava um carro e passava temporadas por lá. Hoje, tá definitivo em Pernambuco para curtir a velhice merecida.
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Já estive lá, com ele, várias vezes. Vocês precisam ver o santuário, como ele diz. Precisam conhecer o alambique que montou. Ah, o nome do sítio é Chã das Mulatas. Já sondaram ele para se candidatar a prefeito de Buenos Aires. Ele recusou. Quinta feira nos falamos pela zap. "Ô Luar, larga de ser teimoso e vem pra cá. Tem um sitiozinho pra você e família".
E, para finalizar a conversa, mandou essa: "Larga essa vida de jornalista. Aqui tem álcool, o 50º, recomendado pelos médicos. Vem usar o que fabrico aqui. Não tem covid que chegue perto ! É preventivo e saboroso". Sei não. Ando precisando prevenir alguns males... tô pensando no assunto.