Maria Eduarda Carvalho - Divulgação/Jorge Bispo
Maria Eduarda CarvalhoDivulgação/Jorge Bispo
Por O Dia
A novela 'Éramos Seis' chega ao fim e um dos destaque da trama foi Olga, personagem de Maria Eduarda de Carvalho. A atriz até queria festejar o sucesso da produção das 18h ao lado dos amigos, mas o perigo do coronavírus fez suspender todos os tipos de festas e encontros. Já de férias, ela fez um balanço da carreira e de como descobriu que não poderia ser nada na vida se não fosse atriz. Viciada em abóbora, Maria Eduarda revela que se pudesse escolher um remake para atuar, escolheria 'Vale tudo' para viver a Maria de Fátima, imortalizada por Glória Pires.
A primeira coisa que eu quero perguntar é: o que achou da decisão da Globo em suspender as gravações das novelas e alguns programas?
Terminamos as gravações na terça-feira. Apesar do medo, estávamos todos unidos em nome de finalizar um trabalho que transbordou delicadeza e espalhou amor em um momento de tanta dureza e desafeto. Foi triste não poder abraçar meus queridos parceiros de jornada, mas fica a esperança de que este horroroso episódio real de 'Black Mirror'se encerre logo e a gente possa se reencontrar, se abraçar forte e celebrar como merecemos este trabalho tão importante na vida de todos nós.
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E como você está se protegendo?
Agora, com o fim das gravações, iniciei minha quarenta e faço aqui um apelo ostensivo para que todos entendam a importância de ficar em casa neste momento. A Itália ignorou esta medida e está pagando um preço altíssimo por isso. Nós somos um país sem recursos, não temos estrutura para lidar com um alto número de pessoas infectadas ao mesmo tempo. Os médicos da rede pública de saúde estão trabalhando heroicamente, sem condições. Falta o mínimo. A única coisa que pode nos poupar do pior cenário é a conscientização. Apesar de entediante, o exercício de parar a vida pode se revelar profundamente enriquecedor, porque o modo contemporâneo de existência não nos permite mais olhar 'para dentro'. Talvez o isolamento em nome de uma causa nobre, nos traga de volta um pouco de humanidade e empatia.
Como foi o convite para participar 'Éramos Seis', novela que já teve várias versões e várias atrizes fizeram a 'Olga'?
Foi bem emocionante receber o convite. Sou fã devota de Denise Fraga e assisti a versão de 'Éramos Seis' do SBT, onde ela interpretava a Olga. Me lembro de ver a novela ao lado de minha avó, Laura, que não perdia um único capítulo. É curioso porque as lembranças que tenho da história da trama se confundem com as lembranças da minha própria história nesta época. Meus avós foram pessoas determinantes na minha formação. Com eles aprendi a "fazer de conta" e isso sempre me salva da vida real. Por este motivo, "fazer de conta" que sou a Olga nesta versão de 'Éramos seis' está sendo superiormente especial.
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O seu primeiro personagem fixo foi em 'Paraíso Tropical' em uma novela na Globo, mas o grande público lembra de você 'Em Família' de Manoel Carlos. Vanessa vivia um triângulo amoroso com as personagens Marina e Clara, papeis de Tainá Müller e Giovanna Antonelli. O que você lembra dessa época e como o público te abordava?
'Em Família' foi um trabalho muito importante. Nele 'realizei' pela primeira vez o poder que uma novela tem de transformar preconceitos sociais arraigados. Nesta época, recebi centenas de mensagens de jovens lésbicas que me agradeciam dizendo que a história de amor entre aquelas mulheres estava abrindo uma possibilidade de diálogo com suas famílias.
Teve algum episódio na época que te marcou?
Assim que encerrei 'Em Família', entrei em cartaz com um espetáculo teatral e quase todas as noites, grupos de meninas me aguardavam ao fim da apresentação para conversar sobre a importância da novela em suas vidas. Uma noite, uma jovem trêmula me pediu que lesse uma carta que ela havia escrito. Ela contava sua história e me agradecia pela possibilidade de ser vista como uma pessoa 'normal' entre seus familiares, apesar de ter uma orientação sexual diferente da deles. Foi lindo. Nós ainda mantemos contato. Na verdade, ainda me comunico com algumas destas meninas até hoje. Tenho um imenso carinho por elas.
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Você demorou a entrar na televisão como atriz. Fez muito teatro. Conta como foi esse início de carreira?
Descobri que não tinha chance de ser qualquer outra coisa, ainda menina. Sempre fui muito medrosa. Era uma criança cheia de paúras e estranhices. Tinha 3 anos quando meus pais se separaram. Eu e minha irmã víamos meu pai de 15 em 15 dias e geralmente quando estávamos com ele, íamos ao teatro. Eu, que tinha um profundo pavor de escuro, do escuro do teatro, nunca tive medo. Pelo contrário, ansiava por aquele momento em que as luzes se apagavam e o escuro prenunciava a fantasia por vir. O escuro do teatro me acolhia, me aproximava do meu pai, acendia a luz da minha imaginação e ressignificava meus medos de menina. Ali comecei a perceber o potencial transformador da arte. Quando, aos 13 anos, comecei a fazer teatro no Tablado, já tinha claro dentro de mim que só teria chance de ser uma pessoa realizada sendo uma artista.
Se tivesse que escolher um personagem para interpretar em remake, qual seria e por que?
Maria de Fátima, que Glória Pires interpretou em 'Vale Tudo'. Por ser um personagem incrivelmente bem estruturado dentro de uma novela arrebatadora e também para ter a chance de homenagear a Glória, essa mulher maravilhosa que, além de ser uma das maiores atrizes brasileiras, é um ser humano raríssimo, um mar sem fim de delicadeza e humanidade.
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O que as pessoas não sabem sobre Maria Eduarda?
Que sou viciada em abóbora e meu prato favorito é abóbora com cottage!
Você criou uma websérie chamada 'Ato Falho'. Como é o seu lado de roteirista?
Desenvolvi 'Ato Falho' para a globo.com a partir de uma oficina de interpretação que eu e colegas ultra talentosos fizemos dentro da Globo, com Eduardo Milewicz. Acho que minha porção roteirista está muito atrelada às histórias que tenho vontade de contar... Escrevi o espetáculo infantil 'Atrás Do Mundo', a partir da necessidade de precipitar um encontro entre minha filha Luiza e minha irmã Maria Antonia. Minha irmã faleceu assim que Luluba nasceu, mas graças à arte este encontro aconteceu. No momento escrevo um longa cuja narrativa é baseada em um episódio familiar que não presenciei, mas ouvi de minha avó e engendrei toda uma trama, a partir dele.
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Você é uma atriz que expõe suas ideias, seus pensamentos. Se posiciona. Coisa que não é comum entre os artistas. O que você acha disso?
Não se trata de achar, é uma questão de ser. Esta é a forma como sei existir no mundo. Para mim, a condição de artista vem com uma forte carga de comprometimento social. Educação, arte e cultura formam, informam e são capazes de mobilizar a população a favor de seus direitos, contra um governo opressor. Assim como a educação, a arte constrói pensamentos críticos e a cultura é a base da nossa identidade. Um povo que desconhece e desvaloriza suas raízes, seus costumes, sua história, desconhece a si mesmo e acaba refém de qualquer discurso manipulador, por mais esdrúxulo que ele seja.
Quais são os seus planos para esse ano de 2020?
Segundo Guimarães Rosa, 'são nas horinhas de descuido onde a gente encontra a felicidade'. Depois de três anos emendando três novelas, três peças de teatro e um longa, ando sonhando com horinhas de descuido!